Teve uma vez que eu tava com uma
barriga-ruim de lascar. E tava tão ruim, mas tão ruim, que acharam por bem me
levar à cidade. Nem precisa dizer que ir a cidade por doença era coisa rara.
Levaram-me à Paraisópolis, na farmácia do João Cabral. Até que gostei de andar
de jipe. Mas estradas soquentas com barriga-ruim não combinam nada. Tivemos que
ir à na casa da Tia Rosinha para eu me assear. Lá ela recebia a visita de uma
amiga e seu filho, menino com idade mais ou menos igual a minha. Lá falando com
ele, ele ficou surpreso com algo que para mim era natural. Que eu estudava numa
escola onde toda a molecada de primeira a quarta série ficava junta, em bancões
de tábua. A professora dividia o quadro em quatro, e cada série tinha o seu
pedaço, e sua atenção exclusiva apenas às vezes. Quando tratava com uma série,
as outras estavam envolvidas em tarefas. "Que coisa mais atrasada", o moleque
observou em tom deboche. "Como é possível? quando ela está explicando para uma
série, a outra não se atrapalha com o barulho?". Eu disse não. Temos que
nos concentrar em nós e nossa tarefa. No jardim o jardineiro não cuida de todos
os tipos e tamanhos de flores? Ele só dá uma forcinha. Uma água... Uma afofeadinha
na terra... Um esterco... O arranque das pragas sem-vergonha. No mais, é com a
planta. Ele não precisa ficar em cima delas o tempo todo. São elas que têm que
crescer. Na nossa escola é igual. A professora pede para copiarmos uma lição,
realizar certas operações, é nós que temos que fazer, ali estamos crescendo. Para
que professora em cima o tempo todo? Ele ficou surpreso e não achou boa a
comparação. Mas hoje, pensando, foi uma explicação bastante avançada para a
minha idade. Aquilo realmente era estranho, mas pensando bem, isso de estudar
meio sozinho, parece coisa bastante adiantada, ao invés do contrário. A
professora era mais para que não perdêssemos o foco, a concentração, de resto
era conosco. Quando na terceira série eu passei para uma escola comum, quando
me mudei com a família para Cambuí, e a Dona Leila me falou na frente de todos
"nossa, mas você está muito adiantado para a série", eu fiquei
vaidoso e entendi como grande elogio. Quis que a minha professora da roça
tivesse ouvido aquilo. Quis que aquele menino de Paraisópolis tivesse ouvido
aquilo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário