Vivi a infância na Fazenda da Paz. Quem é da cidade, cidade grandona, digo, imagina a fazenda um lugar parado, quieto. Nada. A Fazenda da Paz era barulhenta. Os barulhos vinham da natureza, dos bichos domésticos, do rádio da minha mãe, da máquina de costura dela, dos carros de boi sempre passando na estrada. Também havia várias casas próximas da nossa. Todas de meus tios. Meu tio Dutra gostava de conversar com meu pai, as tardinhas. Sempre se assentavam a barranca, próxima do ipê amarelo. Falavam do tempo, das plantações, dos planos. Eu gostava de ficar a volta deles. Tudo que falavam, eu ia imaginando. Eu ia ouvindo aos pedaços o que diziam. Se o tio falava, vou plantar uma roça grande de milho. Eu desligava meu escutador. Ficava pensando quanto seria esse grande da roça. Imaginava o vento ondulando um milharal lindo. Aí já ouvia o tio dizer que viria muita chuva. Eu matutava quanto seria muita chuva. Seria enchente capaz de cobrir o varjão? Já pensava no arrozal que viria depois, no varjão. Até ouvia o alarido dos periquitos, bicando arroz. Dali a pouco o tio falava que o sujeito devia ser boa gente, que vinha de longe, muito longe. Longe, longe. Longe onde? Eu pensava. Decerto Pouso Alegre ou Itajubá, imaginava. Quando o sol já se aninhava quase tudo nas montanhas, o tio despedia-se. Eu falava, volta amanhã, tio Dutra. Ele sorria. Ele sempre voltava. Saudade da simplicidade daqueles dias. No que a gente não sabia, a gente completava com coisas boas, porque, quase tudo que nos vem é incompleto.
sábado, 16 de janeiro de 2021
domingo, 10 de janeiro de 2021
pigrizia
falar é lançar
ideias ao vento
feito dentes
de leão
vão almas de
árvores
fluem flores
voadoras
para o vento
são sorrisos de
perfumes
são apenas
comidas
desmontam
e remontam
para depois
explodirem
telhados
com seus
dejetos
corrosivos
os abutres
pensam que
pensam que
brincam
não percebem
que turbam o céu
das boas colheitas
domingo, 3 de janeiro de 2021
Revolução
a flor é a rebeldia
da semente
que não aceitou
ser terra
quis a luz ao invés
de correr extrato
no bucho de
minhoca
forçou empurrou
contornou
pariu-se
o tempo
é o agora
o é
a galinha
que veio
do ovo
partejemos nossa
revolução
sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
Singelo
fiquei quase um ano sem vê-la, por causa dapandemia. falo da minha sogra. agora estivecom ela, por uns dias. ao me despedir, eu lhedisse, para provocá-la: dê-me uma abraçoapertado e um beijo! para provocá-la pq bemsabemos que não vivemos dias para abraços ebeijos, principalmente por ela já haverpassado dos oitenta. mas ela abriu os
braços sem vacilar. uns olhos de criança,generosos, puros. achei que ela iria medizer: sai fora, seo mala. pq saiba quesempre brincamos muito. mas não, ela nãotitubeou, abriu os braços. alguma coisa emmim ficou sem chão e eu não soube bemonde pousar. surpreso eu disse vamos terjuízo. abracei-a meio de lado, saí sorrindoparti. mas o olhar seguiu comigo. por váriosdias e ainda agora me dizendo mais do queeu esperava. uma singeleza de comover
que em 2021 tenhamos olhar para o singelo
por mais que o mundo desestimule.
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