quarta-feira, 27 de novembro de 2019

espeloteado

ia eu
espeloteado
corria, corria
descendo o
morrinho
da usina

tropecei
virei um pé
rolei grama
a baixo
blasfemei

a madrinha
viu da casa
dela. gritou:
 machucou-se
"fio"

eu disse: 
nããããããããão
dentes travados
menti, lógico

na volta
a dor me
impôs
caminhada
lenta
arrastando
uma perna

assim pude ver
a cascavel
na lateral do trilho
perto da
quaresmeira

posicionava-se
enrolada e 
pronta para 
o bote

senti um
amargor de
roçada de
carqueja
na boca

será que
virei um
pé para
escapar da
cascavel?

sábado, 16 de novembro de 2019

Dos Enganos da Mente

Vi algo conhecido.
... Na verdade,
Não totalmente
Conhecido, mas
Disso não fiz
Conta.

Preenchi o não
Conhecido com
O conhecido, e
Saí achando
Que tinha o
Pleno.

Eis o engano.
O que sabe,
Tampa o que
Não sabe. E mal
Desconfiamos.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

notícia alegre

é um fogo que vem 
com a força da semente
que eclode

momento de plenitude
elogio de mãe
arrepio

a gente se enche
de algo que pouco
conhece

é sangue que ferve
é mente que ferve
dilacera

já era tempo
já era tempo
gira um redemunho
dentro da gente

o coração quer
quer saltar
e o mundo tem
do dourado dos dias
dias de festa

pensamos por que
tivemos medo
pensamos por que
duvidamos

cantamos
cantamos
agradecemos

por um instante
o mundo parece fácil
e a vida justa
enfim respiramos

queremos que o momento
se congele. Mesmo que 
fogo e gelo não
se conversem

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Aposto


Nas noites frias dos
Derradeiros dias do meu avô
Eu gostava de vê-lo
"Quentando" fogo a taipa
Do fogão a lenha
Sentado no banquinho
Presente do irmão Aurélio
Ele parecia hipnotizado
Olhando as toucinhas vermelhas
De fogo dançando estraladas
Sobre a madeira seca

Eu não lhe falava nada
Achava que não tinha
Direito de tirá-lo
Daquela sintonia
Que o punha no melhor
Dos seus dias
Que ali lhe vinham
Mais doces e perfeitas
Do que efetivamente foram
Nos dias que aconteceram

Eu podia apostar que
Ali, mal se mexendo
Ele escutava galos,
Galinhas d’angola, saracuras
Canarinhos na alvorada
Bois e o carro cantando,
Cheio de milho
“Corre, Dito. Abre a
Porteira, menino”
O alarido das brincadeiras
Dos filhos menores
A esposa dizendo algo
Talvez que não quisesse
Ficar sozinha pelo receio
Das onças

Não raras vezes as lembranças 
Nos vêm mais doces
Do que verdadeiramente
Foram no momento vivido
Porque nos dias que aconteceram
Não vieram isoladas
Contaminadas pelas sombras 
Que usualmente redemunham
Na cabeça da gente

Meu avô mesmo, coitado
Viveu praticamente a vida toda
Com o peito abalado por um oco
Que o punha com raiva
Perdeu a mãe com quatro
O pai com seis
Cresceu de del em del
Criança não sabe guardar luto
A coisa pra ele cresceu em raiva
Ele não sabia que essa raiva
Não era raiva

O oco bem deveria ter
Sido iluminado pelo amor
Da vovó, dos filhos, dos netos
Mas não. O vovô foi vivendo, vivendo
Cutucado pela raiva que ele sempre
Pensava ser disso e daquilo (Não era)
Um espinho atravessado 
Que desbotava tudo que era
Coisa boa que ele vivia

No fundo, no fundo
Ele tinha medo de amar e
Ser abandonado outra vez
Aposto que ali, na taipa do fogão,
Não notando as panelas pretas
E o vapor subindo
Às vezes esfregando as mãos
Mas nem as sentindo ásperas
Pelo trabalho no milharal do quintal
Enfim ele era livre do espinho
E dos venenos que o oco
Normalmente lhe lançava aos
Borbotões, como lavas de vulcão