sexta-feira, 30 de março de 2018

ABISMO

Sempre gostei do canto dos pássaros
mas hoje me parecem tristes
aqueles nós por dentro, eu tenso
sabia desse momento faz tempo
mas agora que se aproxima
algo em mim se apequenina
pai, será não se enganou comigo
não é possível que sou tanto
esse silêncio... não estou seguro
ouço um tropel, me assusto
é só vento, e só o vento
pai, será não se enganou comigo
algo me corta e algo já morre
que amargor, pai, que enjoo
já ouço os sinos, já ouço os sinos
pai, será não se enganou comigo
tanta gente nesse mundo
será tem que ser comigo?
não é possível que sou tanto

quinta-feira, 29 de março de 2018

CEGUEIRA DAS AUSÊNCIAS

Uma inabalável fé no futuro
Naqueles dias primeiros
O mundo se acomodaria
Em séculos e séculos de calmaria
Mas não se sabe quando
Veio a neblina, foi se alargando 
Neblina daquelas que a gente 
Tem por dentro e borra tudo 
E o céu se fechou pra chuva
E teve também que um filtro 
Desligou dos olhos o colorido
O extremado cochichou: acabou
Ainda uma resteazinha pos
A força dum pouco avançar
Mas com o cinza, pouco se podia
E na cegueira das ausências
Houve o mergulho sem volta
O mergulho que apaga
Que não aceita mudança de ideias
Que cumpre a ordem

sábado, 24 de março de 2018

MOMENTOS

Irei à Consolação
Semana que vem
Já faz mês que não vou
A casa de mamãe

O pai falará da roça
A mãe entrará no meio
Ele reclamará: deixa
Eu contar do meu jeito

Jantarei demais
Comerei sem medo
Terei o melhor sono
Dormirei cedo

É possível que acorde
Pela alta madruga
Ouvirei a brisa, o sino
E cães virando latas

Pela manhã despertarei
Com o cheiro de café
Darei graças. Sei que nem
Sempre tudo será como é


CRESCER

A gente nasce, cresce
Compra uma camisa xadrez
Às vezes viaja de ônibus
Tem saudade, dias ruins

Às vezes ficamos tristes
Por uma resposta malcriada
Que recebemos

É irreversível
Temos que crescer
Um crescer para dentro
Que reencontra
Meninos

Que são felizes
E fazem as pazes
Enroscando
Dedinhos em anzol

quinta-feira, 15 de março de 2018

Lambaris

Onze lambaris
Na cesta de bambu
Brilham os lambaris
Brilham os lambaris

Empunho minha vara
Canta o corguinho
Perto da casa
Da Titininha

Corre a linha
Corre a linha
Puxo outro
Lambari

Chia o vento
Chia o vento
Muda o tempo
Que tenso

Ou é chuva
Que vem
Ou conspira
Alguém

Pra que eu
Deixe em paz
Os lambaris
De que não
Preciso mais

Brilham os lambaris
Brilham os lambaris
São doze lambaris
Melhor eu ir

Treze não é bom
E amanhã quero mais
Vamos Rex
Vamos rapaz

terça-feira, 13 de março de 2018

Festa na Senzala


ouvindo aqueles
tambores afro axés
aqueles cantos
lamentos ancestrais
penso na senzala
penso nas pessoas
na casa grande
consigo estar  com
elas na casa grande
ouvindo de longe
o canto e os tambores
não consigo contudo
estar na senzala
sentir aquela dor
aquela tristeza
aquela saudade
aquela alegria
lamentosa da
festa dos negros