sábado, 31 de dezembro de 2016

Nu

Na Matriz de Consolação
A tia Tereza, o Tião Cirino,
A Guidinha do Josino
O João Tucum
A Tia Zélia, tão bonitinha
O Carlão do tio Quim
O Geraldinho Chapéu,
O Tião do Marco
O Lazo do Cândico,
O chão quadriculado
Tem os pisos gastos
Por meus ancestrais
E de repente não
Passo daquele menino
De 40 anos atrás
Isso assusta e não sei
Se é síndrome do pânico
Ou fobia social
Acho que não
Apenas desconexão
Uma dúvida
Se todo esforço valeu
Um abismo entre quem sou
De quem quero ser
Assusta um pouco saber
Que ali, talvez,
Conheçam-me até mesmo
Melhor do que eu


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

ERMO

Há um ermo
Em nós

Tudo fazemos
É para povoá-lo
Desentortá-lo
Preenchê-lo
Alegrá-lo

A questão é que
“pode ser” que
Não haja
Ermo algum

Que isso seja
Apenas engodo
Da natureza para
Nos mover


domingo, 25 de dezembro de 2016

LODO

Rosto queimado
Latejo de sol
Descanso falta
Num tanto a fazer

Obrigações
Tem demais
Um tudo
Sem sossego

Caçoa de si
Coça dedos
Aspereza

A ganância
Se vê nos zoio
Levam tudo
Como fosse nada

Tanto tipo
De gente

O cachorro late
Late, senta
Abana a cauda
Obedece

Esse é amigo

Faz carinho nele
Agardecido
Da um pouco
Da pouca comida

Vê tanta cerca
Tanta
Pros passarinhos
Não tem

Cantam
A pequeneza
Dos homens

Os miolo pipoqueia
Nuvem de piaba
Poço sem água

Lodo

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Caminhando

Em algum lugar em mim
Em algum lugar em mim
Ainda caminha o menino da roça
Rumo à cidadezinha em que nasci

Que alegria saber
Que ao vencer a subida
Do tio Zé Teixeira
Receberei às vistas
Da claridade dos postes
Como tochas indicando-me caminho

E logo os professores falarão
De mundos distantes
E os amigos falaram do seu dia
E do que lhes foi interessante

E da menina de olhos negros
Sentirei o hálito
A aula toda sentado
Tão próximo dela
Fingindo dificuldade
Em matemática

Ainda hoje esse menino
Caminha caminha em mim
Criando-me sensação de quase lá
Iludindo-me por esconder a sina nossa
Que é ficar pelo caminho


quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

a que ponto

Bem. Precisei repintar apenas uma parede do ambiente. Por uma infiltração já resolvida. Eu precisava usar tinta da mesma cor, lógico. Onde comprar? Deveria ser da mesma marca também. Entrei no Google Maps. Digitei Suvinil para ver as lojas na região que moro. Vi a mais próxima. Dirigi-me ao local com um pedacinho da tinta descascada e também com a nota da sua compra. Já na loja, fiquei irritado. A marca comercializada era Coral. Irritei-me com o Google. Direcionou-me a uma loja de tinta de outra marca decerto por alguma propaganda paga, avaliei. Já ia saindo quando enfim resolvi olhar a nota. Vocês não acreditam. Era Coral. A tinta que eu tinha na parede era coral e eu por engano buscava Suvinil. Conclusão: o Google está sabendo mais do que preciso do que eu mesmo. Risos. A que ponto chegamos. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

rolinhos


Nas manhãs daqueles dias na Cruz Vera, eu lançava quisera ao terreiro. Sobre os riscos amarelos, logo os passarinhos. Passos-pretos, boiadeiros, canários, rolinhas. Um embolado em poucos metros quadrados. Chamava-me atenção o jeito das rolinhas. Ao invés de aproveitarem para encherem o papo, brigavam entre si. Uma asa erguida como ameaçasse um caratê. Se pássaros de outra espécie lhe abeiravam, tudo bem. Se rolinha; então era guerra, numa luta que apenas as fazia perder tempo. Os outros iam aproveitando, não se importando com um semelhante lado-a-lado. As rolinhas me fizeram recordar os homens, tantas vezes tão preocupados com rolinhos que até se privam de oportunidades de ajudar-se a si mesmo.

Exemplo

Eu muito bem sei
Da importância
Do exemplo
Pois toda vez
Que entro
Numa igreja
Recordo meu avô
Irritado
Incomodado
Carrancudo
Doente
Mas jamais perdendo
A missa de domingo
A tarde

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Drenagem

Quando ouço uma canção 
Que acho bacana,
Principalmente se pela primeira vez...
Já sei. 

Devo ouvir no máximo três vezes.
(Digo em sequência).
Do contrário ela entra em minha mente. 
Toma conta. 

Não estou falando daquele negócio 
Da síndrome da canção aprisionada. 
Quando a gente mesmo sem querer
Fica mentalmente repetindo, 
Repetindo a canção. Não. 

Falo de energia. 
Essa música, gente
Invade a minha mente 
E gira, gira, gira
Cobrando para si muita energia. 

Se ouço várias vezes antes 
De dormir, então. 
Certeza de sono prejudicado. 

A música ocupa um lugar 
Ligado ao descanso, 
Abalando, excitando. 
Será normal? 

Falei com a Luciana. 
Ela sorriu. 
Acha que estou de onda. 
Principalmente quando digo 
Que me atrapalha o sono. 

Juro que é verdade.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Homem de Valor

Farmacêutico prático
O Ditinho Pereira
Parecia meio mago
Meio bruxo
Sabedor de segredos
De outro mundo

A solução
Nuns potes
Elevados as suas
Prateleiras

Lembro-me bem dele
Meio repuxando a boca
Um tanto quietão
Lá entre a casa paroquial
E a do vô Sebastião

Eu achava que era quieto
Porque lhe seria vedado
Falar demais
Pois ao descuido poderia
Revelar dos segredos
Que sabia

Como à criança não
Se ressabiar
Com quem aplica injeção

Não houvesse mais remédios
E se virava com o que tinha
Passando iodo
Às gargantas inflamadas
Por exemplo

Teve uma vez
Salvou os dedos
Da prima Regina
Não sei como

Teve outra
Aplicou injeção
Em minha barriga
Chorei muito, imagina
Mas tinha clara noção 
De que não podia
Ser maldade dele

O Dr Newman falou
Que isso me salvou
Ainda disse sorrindo
Eh, Ditinho Pereira danado

O mundo está precisado
De pessoas como o
Ditinho Pereira
Por, mais do que
Ajudar os outros,
Despertar em nós
O melhor