O padre falou, falou; de joio, de trigo. Que temos em
nós os dois, tudo junto, misturado. Enquanto dormia o homem bom, o vizinho mal
lhe derramou joio à plantação. O maestro, ao meu lado, ouvia silente. Tão
religioso. Olhos encharcados, sentidos. Coitadinho do homem bom; era trigo que
deveria colher. Mas era sábio, deixaria tudo crescer. O joio parece igual, mas
é diferente. Cresce mais, tem talo mais duro. Com os dois maduros se arrancaria
o joio, que então seria lançado às chamas. Apenas então haveria trigo colhido.
Temos que buscar o bem, o trigo em nós. Lançar o joio às chamas. O olho do
maestro brilhava. Emocionava-se ao pensar no joio queimando. Pensou lá no mal
vizinho sendo queimado junto, vivo. Até apertou os dentes como assim o lançasse
ainda mais às profundezes das chamas. Sem bem perceber gostou daquilo, de
sentir quase esmagando a cabeça do malvado. O padre parou de falar. O pessoal entrou
a cantar. Um pessoalzinho simples de tudo, cantando desencontrado. Um
violãozinho desafinado. O maestro sorriu, balançou a cabeça. Cochichou com um,
estão muito desafinados; com outro, e fora do tom; e com outro ainda, e tem
problema de métrica também. Assim não dá, assim não dá, disse em voz quase
alta, testa franzida, batendo o indicador de uma mão no banco da frente como
fosse baqueta. Pensei, aquelas pessoas simples, por bondade pura, ali faziam
sua obra, o seu melhor. Lançavam o seu trigo pela harmonia da celebração.
Estavam achando tão bonito. O maestro, que podia fazer melhor, nada fazia.
Apenas lançava joio ao campo de trigo deles, tentando lhes desbotar o trabalho.
Ali era ele o inimigo, mas não percebia. A Bíblia lhe era livro distante
demais. Embora o emocionasse não lhe trazia lições para o dia-a-dia. Quem sabe
as colheitas futuras lhe ensinassem qualquer coisa. Se sentindo no fogo decerto
perceberia que plantava joio ao invés de trigo.
sábado, 26 de julho de 2014
domingo, 20 de julho de 2014
O Tempo
Se a vida passa ligeiro?
De verdade acho que não.
O diacho, amigo.
É a repetição.
Meu compadre João,
Que labutou em muitas paragens.
Se alembra direitinho
De cada passagem.
Se a gente fala o ano,
Ele diz a fazenda,
Os amigos de lá,
E o que estava fazendo.
Já eu, que labutei
Numa fazenda só,
Um serviço apenas,
Por tantas décadas,
Tenho a impressão
De que trabalhei
Apenas uns cinco anos.
Embora quarenta
Se repetido,
A memória vai descartar
Guarda só o distinto,
Apenas o peculiar.
Então se quer sensação
De intensidade vivida
Basta não fazer
Coisas tão parecidas.
A vida vai tão rápida,
Meu rapaz.
E a gente aí,
Repetindo demais.
Por que o cérebro guardaria,
Amigo meu,
Algo daqueles dias em que
Nada de novo aconteceu?
sábado, 5 de julho de 2014
Oi
Aquele seu oi
O que quis dizer
E com ele
Veio um olhar
Que eu acho
Não soube bem
Interpretar
Se sabe que
Lhe olho tanto,
Bem poderia
Me desprezar,
Mas não, me olhou;
Olhou daquele jeito.
Um jeito que
Não sei dizer direito
E disse aquele oi
Não sei se amanha
Acontecerá igual,
Não sei,
Mas o importante
E que hoje aconteceu.
Sei que fantasio
Muito e posso
Supor que seu
Olhar foi diverso
Da sua real intensão
Mas houve aquele
Oi, um doce oi.
O que quis dizer
Qual a sua intenção
Eu não soube
Entender
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