sábado, 26 de julho de 2014

O joio e o trigo



O padre falou, falou; de joio, de trigo. Que temos em nós os dois, tudo junto, misturado. Enquanto dormia o homem bom, o vizinho mal lhe derramou joio à plantação. O maestro, ao meu lado, ouvia silente. Tão religioso. Olhos encharcados, sentidos. Coitadinho do homem bom; era trigo que deveria colher. Mas era sábio, deixaria tudo crescer. O joio parece igual, mas é diferente. Cresce mais, tem talo mais duro. Com os dois maduros se arrancaria o joio, que então seria lançado às chamas. Apenas então haveria trigo colhido. Temos que buscar o bem, o trigo em nós. Lançar o joio às chamas. O olho do maestro brilhava. Emocionava-se ao pensar no joio queimando. Pensou lá no mal vizinho sendo queimado junto, vivo. Até apertou os dentes como assim o lançasse ainda mais às profundezes das chamas. Sem bem perceber gostou daquilo, de sentir quase esmagando a cabeça do malvado. O padre parou de falar. O pessoal entrou a cantar. Um pessoalzinho simples de tudo, cantando desencontrado. Um violãozinho desafinado. O maestro sorriu, balançou a cabeça. Cochichou com um, estão muito desafinados; com outro, e fora do tom; e com outro ainda, e tem problema de métrica também. Assim não dá, assim não dá, disse em voz quase alta, testa franzida, batendo o indicador de uma mão no banco da frente como fosse baqueta. Pensei, aquelas pessoas simples, por bondade pura, ali faziam sua obra, o seu melhor. Lançavam o seu trigo pela harmonia da celebração. Estavam achando tão bonito. O maestro, que podia fazer melhor, nada fazia. Apenas lançava joio ao campo de trigo deles, tentando lhes desbotar o trabalho. Ali era ele o inimigo, mas não percebia. A Bíblia lhe era livro distante demais. Embora o emocionasse não lhe trazia lições para o dia-a-dia. Quem sabe as colheitas futuras lhe ensinassem qualquer coisa. Se sentindo no fogo decerto perceberia que plantava joio ao invés de trigo.

domingo, 20 de julho de 2014

O Tempo



Se a vida passa ligeiro?
De verdade acho que não.
O diacho, amigo.
É a repetição. 

Meu compadre João,
Que labutou em muitas paragens.
Se alembra direitinho
De cada passagem.

Se a gente fala o ano,
Ele diz a fazenda,
Os amigos de lá,
E o que estava fazendo.

Já eu, que labutei
Numa fazenda só,
Um serviço apenas,
Por tantas décadas,

Tenho a impressão
De que trabalhei
Apenas uns cinco anos.
Embora quarenta

Se repetido,
A memória vai descartar
Guarda só o distinto,
Apenas o peculiar.

Então se quer sensação
De intensidade vivida
Basta não fazer
Coisas tão parecidas.

A vida vai tão rápida,
Meu rapaz.
E a gente aí,
Repetindo demais.

Por que o cérebro guardaria,
Amigo meu,
Algo daqueles dias em que
Nada de novo aconteceu?

sábado, 5 de julho de 2014

Hein




Lado ruim,
Todo mundo tem;
Mas lado bom
Há também.
Você bem
Podia falar
Mais do bom,
Hein.

Oi




Aquele seu oi
O que quis dizer
E com ele
Veio um olhar
Que eu acho
Não soube bem
Interpretar
Se sabe que
Lhe olho tanto,
Bem poderia
Me desprezar,
Mas não, me olhou;
Olhou daquele jeito.
Um jeito que
Não sei dizer direito
E disse aquele oi
Não sei se amanha
Acontecerá igual,
Não sei,
Mas o importante
E que hoje aconteceu.
Sei que fantasio
Muito e posso
Supor que seu
Olhar foi diverso
Da sua real intensão
Mas houve aquele
Oi, um doce oi.
O que quis dizer
Qual a sua intenção
Eu não soube
Entender