sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

carta ao futuro

eu estou no ontem
no ontem do seu
presente

acho engraçado pois
por mais insano
que pareça
algo em mim
pensa que
estou num
presente perene

penso no ontem
como algo incompleto
tijolo para o agora
como o agora
fosse para sempre

como está vendo
meu presente
não foi para sempre

então procure
serenar esse
seu coração
relevar umas
tantas coisas

 procurar
aproveitar
esse foguinho
de nada que
se acende
em você
a vida
um presente


péssimos catalogadores

ela tinha os olhos incendiados de medo
parecia diante de um monstro
um monstro maior do que o mundo
uma menininha que mal passava dos 10
buscava algo à casa de minha mãe
o monstro era eu, o sujeito da Capital
ela me encaixou à mente, àquela
caixinha onde lhe moram os monstros
ela era nervosa e encabulada, certo
mas também nós, com nossos desertos
não somos tão diferentes dela
quase sempre alojando em equívoco
impressões às gavetinhas
nos labirintos da nossa mente

sábado, 8 de dezembro de 2018

DISFONIA

Eu tinha doze ou treze, acho
Quando a minha voz 
Parece se cansou de mim
Busquei-a mas no lugar
Escorregando-se lá de dentro
E tropeçando pela boca
Veio uma voz que era outra
Meus amigos caçoaram
Gargalharam de suar
Depois a minha voz parece
se arrependeu. Quis voltar
Mas aí aquela voz que não
era a minha não quis partir
e então quando eu ia dizer algo
Nunca sabia quem diria
Se a minha voz ou aquela outra
As duas se apertavam para
Ver quem saía primeiro
A minha vergonha era tanta
Que até evitava falar
Depois aquela minha voz primeira partiu de vez
Acabei ficando apenas com aquela outra
Mais tarde entendi que aquela
outra voz era para acompanhar
O outro que também eu me tornava

sábado, 24 de novembro de 2018

CASINHA DE ROÇA


quero fazer
do meu coração
uma casinha
de roça 

chão de cimento
queimado
café no bule
e bolão de
fubá a taipa

as portas
internas apenas
cortinas floral
de chita

janelinhas
de tábuas
por onde
nas trincas
entre a luz
da aurora

e chie o
ventinhos das
madrugadas

à parede
colorida
a tabatinga
muitos retratos
antigos

ao entorno
uma explosão
de flores
e passarinhos

com coração
Assim como uma
casinha desenhada
por criança

também serei
eu um pouco
criança

então cego
a tudo que não
vibrar com
esse contexto

terça-feira, 20 de novembro de 2018

PREMÊNCIA

o vento vaza
apertado pelo buraco
da fechadura
canta

ao alto a
massa cinza
rebaixa o céu
revira

rasgos de fogo
caminham entre nuvens
Trr-tree-trouummm
o chão treme
os pombos revoam

certa tensão
pressiona
os ouvidos
dos homens

sentimos
nos poros
quando a chuva
está por vir



quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Guardiãs


Pense no horror das
Arvorezinhas às madrugadas
Com que dificuldades
Guardavam o coreto
Se fazendo fortes para
Espantar os seres de morte
Que rastejam as madrugadas
Querendo comer a vida
A Capela, os casarões à volta
Afligiam-se
Mas elas conseguiam
Batendo palmas
(Ou seriam galhos)

Mas quiseram melhorar
Cortaram as arvorezinhas
Ruiu o coreto
Quem guardará a Vila Capivari

terça-feira, 6 de novembro de 2018

O Papelzinho Cinza

o papelzinho cinza na calçada
vem o vento sopra e sopra
o papelzinho treme, treme
o vento sopra e sopra mais
o papelzinho decola... sobe
o vento sopra e sopra
o papelzinho sobe e sobe
outros papeizinhos também sobem
mas o papelzinho cinza sobe mais
há um momento em que o papelzinho
cinza se esquece de tudo
acha que pode voar por ele mesmo
há outros que também creem nisso
e o papelzinho sobe e sobe
logo ele se incomoda com o vento
por agarrar-se nele para subir
além de elevar-se a si mesmo
ainda tem que aguentar o vento
como um baita lençol que sobre aberto
mesmo irritado o papelzinho aprecia que
outros papeizinhos voantes o sigam
ele olha a nuvem de seguidores
olha outros papeis ainda colados
ao chão o aplaudindo
ele se sente envaidecido
o vento sopra e sopra
os papeizinhos sobem e sobem
e muito mais sobe o papelzinho cinza
mais há o momento em que o vento vira
murcha-se num ponto e infla-se em outra direção
todos os papeizinhos despencam
mas imaginem o maior tombo de quem foi

terça-feira, 9 de outubro de 2018

VERDADE

acredito e defendo
minhas verdades
mas bem sei da minha
profunda ignorância

estou ciente de
de que pode ser
que não sejam
exatamente verdades

a defesa delas, então
faço com cautela
sem rompimentos
e agressões

não digo assim que
minhas defesas são
frias medrosas e
sem graça

contudo acredito
que em si contribuam
pelo tempero
de consenso

mas bem sei que
até nisso posso
estar enganado

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

muro


fizeram um muro
fizeram um muro
um maldito muro

pularam prum lado
e do outro ficou
quem ficou

eles nós
nós eles
doentio isso

os problemas
vão aparecendo
e ao invés de
resolvê-los ficam
com isso de lado

sem falar dos que
estão de um lado
mas acham que
estão do outro

e aí com o chicote
vão batendo nos
seus iguais

não existe mal
maior ou menor
mal é mal

ou vá com quem
acredita ou não
vá com ninguém

o que me anima
é que quando olho
a maioria dos
deixado comigo
gosto

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

briga de irmãos


Sêo João quando vê os filhos mais velhos se impondo a base de força e outras chantagens sobre os mais novos, entra em ação. Apaziguando, conversando, mediando e até se impondo como pai.

Sêo José quando vê a mesma cena em casa, nada faz. Diz que cada um que aprenda a se virar.

Sêo João e Sêo José são irmãos. O pai deles lhes ensinou que igualdade é tratar igual os iguais; contudo apenas um deles aprendeu a lição.

(Detalhe: o Sêo José é mais velho.)

domingo, 30 de setembro de 2018

Diferente

os meninos
cercavam o
cão esquisito
gargalhadas
vaias gritos

do outro lado
da praça
o menino não
via graça

o medo do
cão parecia
doer nele
e tinha vontade
de abraçá-lo

uma certeza
arregalava-se
a sua mente
era um menino
diferente


Bar do Cido


Sempre havia alguém
Disposto a um papo
No bar do Cido
Ainda que apenas
O Cido

Mas acabou o bar
As piadas os causos
As gozações
Nem o casarão verde
Existe mais

Parece não haver
Mais lugar
Como aquele
Aliás lugar talvez
Até haja

O problema
São os papos
Hoje estão 
Sem tamanho
De chatos

domingo, 23 de setembro de 2018

#elesim ou #elenão?


Eles são sujos
Loucos, traiçoeiros
Joguemos o jogo

O leão que ruge
E quer a todos
Seduz os dois
Lados

A arma
Um tipo
De aço

O aço é frio
Brilhante
Reto, incisivo
Cortante

É aço-berba

Aço-berba
Nos põe
Acima do outro
Acima de tudo

Autoriza
Agressões
Em atos
E palavras

Ah,
Minha senhora
O leão adora

Quem quiser
O abraço do
Que ama
Criancinhas

Que jamais
Desembainhe
Sua espada de
Aço-berba

Com ela em 
Mãos
O próximo
Não é um
Irmão

Asim como
Vamos
O leão
Nos terá a
TODOS

domingo, 16 de setembro de 2018

Hoje



ontem viviam como hoje
não sabiam que ontem
era ontem de hoje
hoje vivem como hoje
não sabem que hoje
é o ontem do amanhã
amanhã também viverão
como fosse hoje
achando que nesse
nosso hoje
o ontem deles
tudo era mais simples
a vida mais romântica
menos dramática
que era tão mais fácil
sorrir e ser feliz
e assim vamos nós
sem sairmos do lugar

infecundo


o poeta não é afoito
ele para olha
sente o cheiro
examina rumina
o que desprezam
nota marcas restos
traços bagaços
pequenos brotos
ele quase chora
as vezes ate 
mesmo chora
e como criança
que vai à mãe
com uma descoberta
ele escreve versos
mas quem deveria
compreendê-lo
seque empedrado tapado
mal avança as 
primeiras linhas
pensa quem foi o besta
que escreveu isso
quem o lê e se
emociona com ele
nem precisava
pois também já é poeta
ainda que não escreva

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Depois da viagem


Ele chegará ressabiado, pisando macio. Será como numa casa de sítio, toda rodeada em gramados, flores e pequenas árvores. Será noite; mas ao céu nascente já haverá sinais daqueles primeiros afogueados da madrugada. Ele entrará inseguro. Será um choque. Todos baterão palmas e gritarão vivas. Também darão muitos abraços de boas-vindas, especialmente os pais dele. Quantos amigos e parentes. De alguns ele até já teria se esquecido. Ele tentará se explicar, muito ansioso. Os avós falarão das gracinhas dele, em criança. Ele continuará tentando se explicar. O irmão dele colocará um dedo nos lábios dele, para que pare com as explicações, como a dizer: aqui isso não é preciso, todos sabemos. Então ele se acalmará. Sentirá o cheiro do refogado no fogão à lenha. Será o cheiro da comida da avó. Ele havia se esquecido daquele cheiro. Como gostava da comida dela. Mais tarde, depois de comer, ele se deitará numa rede lá fora. Pedirá licença a todos, falará em cansaço. Todos entenderão. Sabem da dificuldade dessa viagem. Lá na rede, ainda escutando o burburinho daqueles seus parentes já falecidos, ele pensará: porque tive tanto medo.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Eu-te-vi

eu-te-vi
eu-te-vi
grita o
passarinho

dissimulados
os homens
dizem ser
bem-te-vi
o nome

eu-te-vi
é passarinho
poderoso

capaz de ver
até pensamentos
que pensamos
não pensar

lá, onde somos
nos mesmos
embaixo
das nossas
fumaças

brada o
eu-te-vi pra
lembrarmos
quem de
fato somos

Isso não
pra nos
apequenar

mas pra
que nós
mesmos nos
apequenemos

e não pra
chorar

mas sim pra
nos unirmos
a busca
do possível

sábado, 25 de agosto de 2018

recomeço

quando lá atrás dos
montes o menino sol
puxa o cobertor
empoeirado da noite
e lança à madrugada
apassarada a ponta
do seu manto morno
e rosado

lembro-me mamãe
deitando açúcar
e goiabas silvestres
à quentura escura
da panela de ferro

então despreguiço-me
para o que há de vir
tentando assoprar
as brasas velhas
e deitar mel aquelas
trincas ressecadas
pelo intragável
dos outros dias

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Rasgo

Na gente abre-se
Um rasgo a brasa
Aí vem aquele sujeito
Diz é vida que segue
Ele está num bom lugar
Está melhor do que nós
Meio que é isso mesmo
Não há palavra que acuda
Mas o carão do sujeito
Não esfumaça sua indiferença
Logo já fala do seu carrão
o sujeito raso, ô Pai
Quem realmente sente
Fica um tempo com os
Músculos do rosto
Travados para as
Risadinhas fúteis



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

balas

tinha aqueles doces
e salgados da minha mãe
sem por nem tirar de bons

mas meu pai quando ia à cidade
comprava para nós umas
balas sortidas e coloridas

vinham empacotadas àqueles
papeis feitos de jornal moído
que costumavam embrulhar pão

se fosse a cidade 5 vezes a semana
cinco pacotes de balas nos viriam
lá da venda do Vardinho

aquilo era mais que doce para nós
por meu pai sempre tão quieto
àquelas balas falavam

sábado, 11 de agosto de 2018

Pasárgada


No fim da tarde
Eu apertava os passos
Ofegante ia, ia
Ouvindo os baques
Das passadas minhas
Às vezes um chute
Numa pedrinha
A pasta com cadernos
Batendo cadenciada
As pernas firmes
O sol já baixiiiinho
Eu comia uma fragaia
Limpava a boca
Corria, corria
Lá pela descida
Do Alto da Coruja
Os sinos da Ave-Maria
O sol se desbotando
Mas o meu espirito
Se arregalando
A cidade já bem perto
Hoje o que será
Hoje o que será
Soprava um vento
Trazia um cheiro
Um cachorro latia
Uma coruja piava
Já escurecia
Eu encontrava alguém
Abanava-lhe uma mão
Pensava: agora que
Vai ficar bom
E ele já voltando
Um passarinho perdido
Voava alto, alto
Minha mente voava
Mais alto ainda
Oh tempo colorido
Eu morava em Pasárgada
E não sabia


terça-feira, 7 de agosto de 2018

Disfarce


Aquela voz em mim
Gritando isso e aquilo
Eu devo saber
Sei muito pouco de mim
A vozinha doce que eu
Muito bobinho
Penso ser meu coração
Dizendo: não é contigo
Não, não. Não é contigo
Pode uma falha minha
Disfarçada de amiga
(Sabe aquilo de lobo
Se fazendo cordeiro?)
Devo desconfiar de todos
Principalmente de mim
E mesmo que o Renato Perim
Diga isso não precisa dizer
Não resisto e escrevo
A culpa pode ser minha sim

sábado, 28 de julho de 2018

Cintilar

a esposa não terá
mais o marido
o filho, o pai
o neto, o avô

no ar a pergunta
sem resposta

bom seria os pais
vivos para sempre
mas seria bom pra eles?

lembranças de outros
tempos boiam a mente
de quem fica

a mão na lápide
sente o frio que indica
não haver ninguém ali

a pergunta sem resposta
voa a mente como um
corvo que ronda

uma brisa corre
um cão ladra longe
quem se foi não
sentira mais o brisa
nem ouvira os cães

suspiro

até breve... até breve...
será?

as palavras embolam
e não é fácil deitar o
sentimento amargo
em texto

um sono sem volta
será descanso?

será que eu deveria
ser mais leve?
esperança além da dor

São cinzas muitas ácidas
a pergunta sem resposta

o marido dorme
o pai dorme
o avó dorme

não na lembrança dos
que ficam

... até quando?

tudo não passou de
um cintilar de luz

sábado, 7 de julho de 2018

Incansável


Ele gosta de mudanças
Embora finja que não
Destrói construindo em cima
É impiedoso é inquieto
Se faz respeitoso
Quando altera aos pouquinhos
Disfarçado, sorrateiro, insosso
Não sei das razões dele
Além da vaidade de querer
Sempre deixar sua marca
Não me conformo que tenha
Dado fim aquele casarão verde
Da minha infância
Falo do PRESENTE, lógico
Se eu chegasse à minha avó
Àquela tarde em que ela parou
Com o terço e veio me servir
Café com bolo de fubá
Enquanto o canarinho
Cantava a janela
E dissesse que aquilo tudo
Ela, a casa, o café, o bolo,
O bule, a janela, o canarinho
Seria destruído
Ela riria de mim
Falaria lógico que sim
Mas um lógico meio
Não acreditando
Como fosse algo dali
Há dois milhões anos
Não demorou um isso
É o Incansável já encheu
Ali de coisas novas
Coisas das quais foi
Logo enjoando e já
Trocando por coisas
Mais novas ainda
Ele não sossega
Ele não se apega
Ele é um trator...