Ela ficava na janela. Não sei o que tanto via, mas ficava.
Ali naquela avenida tão barulhenta só havia carros. Era incrível. Horas na
janela. Certo dia corroído pela curiosidade eu perguntei-lhe. Ela disse que
ficava contando os pássaros que ouvia. Eu sorri internamente. Como ouvir
pássaros ali? Então comecei a prestar atenção. Não é que era possível ouvi-los
mesmo! Comecei com isso também, de buscar no som da cidade o canto deles. O som
do trânsito tão presente em minha janela passou a não me incomodar tanto mais. Se
aquela mulher não tivesse me falado eu morreria sem saber. Eu poderia jurar que não
era possível ouvir canto de pássaro algum ali. Mas era... Temos que prestar atenção
ao que estamos prestando atenção.
domingo, 26 de maio de 2013
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Cortejo Fúnebre
Eu estava lá, na varanda. Estava à
toa, olhando para a rua. Passaram empurrando um caixão sobre um carrinho. Era um
caixão de defunto. Um pequeno grupo acompanhava o cortejo. Vinham da igreja,
iam ao cemitério. Perguntei para um, "quem morreu?". "É o Tião
da Zinha", respondeu o sujeito, "foi de coração", concluiu. "O Tião do Ziiiinha?" Assustei-me. Esse Tião foi meu colega de colégio, poxa. Poderia ser eu ali no
caixão. Ninguém rezava. Apenas iam. Não havia muita gente, mas atrapalhavam o
trânsito. Poucos pareciam realmente tristes. Lá das funduras de mim me
deu um jeito muito ruim mesmo. "Poderia ser eu ali!", repetia de mim
para mim. "Credo!" Como teria sido a vida do pobre Tião da
Zinha? Não o vi mais desde o colegial. Deve ter sido igual a minha, igual a de
todo mundo, só amolação. Os motoristas atrapalhados pelo cortejo começaram a se
impacientar, pela lentidão daquele povo. Bem que poderiam usar meia rua e
liberar o trânsito. A maioria dos que acompanhavam vinham parece que
indiferente ao Tião da Zinha, coitado. Vinham cochichando lá entre eles. Tentei
ouvir o que diziam os que passavam perto de mim. Dois parece que falavam da
gravidez solteira da filha prefeito. Outros falavam de uma vizinha gostosa.
Umas mulheres, do preço tomate. Alguns motoristas entraram a buzinar. Os poucos
realmente tristes, afundados em tristeza, nem ouviam as buzinas. Os que vinham
indiferentes, seguiram indiferentes também ao buzinaço, apenas concentrado
neles mesmos e nas banalidades que tratavam. De repente, fiquei com inveja do
Tião da Zinha.
sábado, 11 de maio de 2013
felicidade
Dizia
Ser feliz
Mas não
Trabalhava
Para a paz
Rapaz
Não é assim
Não é assim
Que se faz
Trabalhe
Pela paz
A felicidade
É fruto
Que ela traz
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Papo-reto
Eu tô cansado de tanto papo-cabeça
Ditos entrelinhados
Falas enviesadas
Hoje eu tô mais pra papo-reto
Direto
Certo
Tem gente achando que sabe muito
Não sabe
"Sei que nada sei"
Tem gente papagaiando muito
Apenas repetindo conteúdo
Chato
Barato
Se não for papo-reto
Melhor ficar quieto
quinta-feira, 9 de maio de 2013
Mal-humorado
Doido para ver
Como o dia ia feio
Para que houvesse
Justificativa
Pro meu destempero
Mas ao abrir a janela
O dia se me mostrou
Com muita energia
Como me chamasse
Pra viver
Com mais alegria
Sai a caminhar
Encontrei um alguém
Sorrimos demais
Depois ao voltar
Daquela rabugem
Nem me lembrava mais
Beijo Roubado
A muito estou tentado
A roubar um beijo seu
Se não gostar, paciência
E o beijo que quero
É mesmo beijo roubado
Beijo na boca
De cheiro salivado
Carne com carne
Arrepio até o cerne
A minha língua até
Às estrelas do seu
céu
Se eu for repreendido
Pelo isso que fiz
Se eu for repreendido
Pelo isso que fiz
Dou de ombros, Tudo bem
Serei condenado feliz
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