I
Muita
vez é a voz do silêncio. Pulsa um pulsar permeado de nada. Noutra, muito nos ensina,
sobre esses começos inocentes que pouco a pouco vão se fazendo folhosos até se
fazer impor.
II
Se
parece, às vezes ainda, ao remorso d’alma. Aquela vozear que obsta ao nosso
esquecimento. Ali repetindo, de forma enfadonha. Ferindo-nos feito brasa que
queima. Feito o arrependimento que raspa.
III
Dá
uma atmosfera, também às vezes, talvez aí em especial para mim, de coisas de
magoa. Coisas do passado impregnadas de nostalgia. Sei lá se pela semelhança ao
pranto. Cá comigo penso que não. Ajuízo, sim, que quando estamos realmente
tristes, abatidos diante das vicissitudes da vida, por um arrufo qualquer,
ficamos a olhar o nada. Nada que ele, o pingo, muita vez se faz brado,
marcando o tempo numa unidade complicada de se armar. De forma que nossa mente
parva associa o estado plangente ao rumor do pingo. Então, noutra estação,
mesmo que a melancolia não nos assalte, caso nos deparemos com ele, o pingo,
atrapalhado que é, o nosso cérebro libera ao nosso corpo aquelas sensações
taciturnas. Como não mais trazemos nas reminiscências, objetivamente, a
lembrança daqueles acontecidos; somos então embriagados pela sensação de
desalento.
IV
Às
vezes é orvalho, senhor possuidor de imponente miríade de cores. É belo, então.
Noutras nem cor tem, sendo belo mesmo assim, cristalino, diáfano. Pode ser
gelo, inclusive no céu. Viaja nas alturas celestiais e a tudo conhece. Quando
enjoa se liquefaz e desce, podendo ser mavioso, acariciando, afagando levemente
a terra, com cumplicidade terna; ou ser terrível, rasgando o céu, açoitando o
chão, inundando tudo.
V
Caia
bruto ou não, estando no chão, rola. Passeia por campos, bosques, cachoeiras,
lagos e rios, e vai até o mar, enorme corpo azul. Viaja pelas profundezas.
Conhece segredos. Até que ao se cansar novamente, ou talvez por saudades das
alturas, vai saber! Emerge, quando, volátil que é, viaja até as nuvens
novamente, reencontrando velhos amigos e revendo velhas paisagens.
VI
Nestas
coisas de “camalear”, nos ensina muito. Como pode ser muitos sendo somente um?
Na verdade em sua essência é um, porém uma essência assume enésimas formas.
Reside aí um perigo, pois unicamente vemos as formas, e através dessas, quando
muito, deduzimos ou intuímos a essência. O que não é tão fácil num mundo que
vive a premiar as formas. Para nós, as chances de decepções, com essas coisas
de perseguir formas, são muitas.
VII
Ademais,
ensina também que devemos nos portar conforme o ambiente, a atmosfera. Se
estiver frio, devemos ser gelo; se temperatura amena, líquido; se se está muito
quente, vapor. Certas Forças estão acima das nossas, o que podemos fazer,
nesses momentos, para o bem viver, é nos adaptar. Lição já de há muito tempo
aprendida e posta em prática pelas abelhas, que na primavera coletam o pólen
somente de flores mais nobres; porém se no inverno, de qualquer flor que lhes
saltem as vistas fazem o seu alimento, com o mesmo “amor” de outrora.
VIII
O
pingo sempre me divertiu muito, pelas navegações que amiúde faz após as chuvas
nos cabos da rede elétrica, onde ele e outros tantos viajam. Talhes uniformes,
distâncias simétricas. Se vez em quando aparece um mais ambicioso, querendo
mais para si, logo fica mais pesado, e isso faz com que sua velocidade se
acelere. Logo abalroa o colega da cabeceira, e assim não são mais dois, mas
sim, um, involuntariamente, e logo, ato contínuo, nenhum, pois se espatifavam
ao chão e são capturados pela terra.
IX
Em
menino, presenciava embates esplendidos, superando em muito as disputas
automobilísticas de F1. Ainda naqueles fios de energia eu marcava em meu
imaginário um pingo que me representaria. Lá no fio de cima, o que
representaria aquele menino forte que tanto me enfadava e aborrecia na escola.
Marcava a linha de partida e a de chegada, tendo como referência as nuvens do
céu, que já exibia parte de sua estampa cerúlea. Se deslizassem lentamente
perderiam a prova; se muito acelerassem, fatalmente se fundiriam ao da frente e
o chão seria coisa certa. Era espetacular prova de regularidade. Ensinando-nos
que na vida as coisas têm ritmo. Temos que respeitá-lo, senão fatalmente
seremos absorvidos pelo fracasso.
X
Ao
cair com insistência naquela velha pedra, violenta-a, arromba-a, perfura-a.
Parece mentira. Que lição de resignação. Quem diria que o diminuto, pequenino,
e até medíocre pinguinho, fosse capaz de tal façanha, perfurar a poderosa
rocha.
XI
Na
verdade o pingo d’água é tudo e nada. É nada dada a sua insignificância frente
as nossas vistas, ao todo. É tudo quando descobrimos que, na verdade, “nada”
não é o que é; mas sim, a bem dizer, um quase nada. Um “quase” que se ajunta a
outros como ele, também “quase”, formando o todo. A água que lava, que mantém a
vida cá entre nós. Lembrando-nos que todo começa é pequeno, que o que o torna
grande é a composição, que o mais das vezes é lenta. Essa lição tanto pode ser
usada para que atinjamos nossas metas, quando percebemos que cada “pingo”
conseguido é deverás importante; como para nos resguardarmos contra os
problemas que nos rondam. Pois percebemos que quase sempre, inicialmente, se
nos mostram pequenos e de pouca ameaça, “quase” insignificantes. Mas é nesse
momento, fragilizados, miúdos, que devemos suprimi-los, senão poderá ser tarde
demais.
XII
Assim
percebo que o pingo d’água é um mestre, que fala para quem está pronto. Prega
observação, atenção, concentração, humildade, insistência. A mim, se desvenda
assim. É o que por hora consigo entender, mas certamente, creio, fale coisas
que ainda não percebo, pela a cegueira às camadas mais profundas que a
imaturidade se me impõe.
XIII
No
mínimo o pingo é um amigo, que cai insistente para nos trazer à realidade
quando estamos absortos, hipnotizados em devaneios.
XIV
Verdade
que diante de seu tombo, muitos acometidos pela parvoíce praguejam, contra o
que pensam ser mero pulsar inconveniente, um penetra oferecido, que aparece na
noite sem ser convidado, perturbando o sono.
XV
Ou
seria realmente o pingo apenas um tombo inconveniente que caí, onde loucos como
eu, que a tudo vinculam a metafísica, que não suportam a falta de essências
nobres, para dar caráter transcendental à vida, que devaneiam, fantasiam,
sobretudo em divagações que se perdem entre a experiência e o vácuo
intelectual, adentram o pomar do conhecimento e dele retornam com frutos não
comestíveis?
XVI
Penso
que não. Penso que a essência está em tudo, e através de tudo nos comunica os
segredos do viver melhor. Entendamos: tudo fala. Penso eu.