quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O tempo

Da minha janela
Vou notando
A grávida de
Um dia desses
Já está com
O filho grande
O porteiro um
Pouco grisalho
Quando cheguei
Está com os cabelos
Branquinhos
A casa verde tão
Bem pintada
Já precisa de
Tinta outra vez
Aquele idoso que
Sai com o cachorrinho
Não veio hoje
Será que esta bem
A minha esposa diz
Deixa esta janela
Eu não queria deixar

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

DIA DE LIDA

Pintura Tulio Dias
Oi comadre
Bom dia compadre
Sua benção madrinha
Gente chegando
Ah, as lidas de porco
Trabalheira louca

Um tranco na testa
Taum
O bicho meio tonto
A peixeira ao sovaco
Aí vinha aquele guincho
Que eu não gostava
                   
Sapecado a galhas
A suã tiravam primeiro
Era ainda cedo
Mas já pensavam
Na comida do almoço

O toucinho cortado
Era moído em tiras
Para máxima gordura
Senão sobravam
Aqueles torresmos que
Enjoam a gente

Os pedaços murciços
Eram cortados e picados
Tadeu afia essa faca
Que não tá cortando
Nem água homem

Os pedaços de segunda
Iam para a linguiça
Os de primeira
Ao tacho de gordura quente

Mexe o tacho menino
Não põe muito fogo não menina
Até a criançada trabalhava
Perto de fogo e gordura
Nunca ninguém se machucou
De ruim só o calorão

A gordura cobria a carne
Fritavam em fogo baixo
Até sair água todinha
Pois para de borbulhar

Pernil, lombo
Costelinha
Então se punha à lata
E cobria de gordura
Uma manteiga

Da pele se fazia aquelas
Tirinhas para pururuca
Secava-se ao forno e
Depois se fritava até
Revirar como pipoca

Duas latas de carne
E três de gordura
Ainda os restos
Para sabão de cinza

Além dos pedacinhos
À vizinhança lógico
Tia Tereza Tia Elza,
Titininha Elenice Madrinha.
                                                                                                          
Hoje se ver essa “carnificina”
É perigoso até adulto passar mal
Mas aquele tempo era tão natural

Um tempo de simplicidade
De um povo ao fim do dia suado
E feliz Pelo prazer de achar
Que mandava no mundo               

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ti A-Z Lha

***
Morreu a sua tia
Ligou mamãe e disse
Fiquei pensando
Que triste que triste
***
Fechei os olhos
Buscando a mente
Passagens com tia
Aquele jeito doce
***
Histórias de família
Coisas da infância
Os bolinhos de chuva
A voz mansa mansa
***
Da última vez
Ela falava da roça
Atravessando falas
Ao tio com suas onças
***
Ela dizia e sorria
Brilhavam seus olhos
Depois foi à cozinha
Fez café e bolinhos
***
Como entender
Não sou tão forte
Tão meiga, a tia
Que Deus nos conforte
****

sábado, 25 de novembro de 2017

confuso

De onde venho
Eu sabia direitinho
De onde vinham
A chuvas
Onde o sol
Se punha
Onde nascia
O Cruzeiro do Sul
Aqui nunca sei
Das chuvas
O sol mal vejo
E Cruzeiro do Sul
Receio nem haja

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

TRAVESSEIRO VELHO

Falaram do meu travesseiro
Que era velho e deformado
Apareceram com um novo
Jogaram o velho fora
Ah, mas que vacilo
Eu pousava a cabeça
Aí por baixo meio
Dobrando uma ponta
Eu o punha à altura que queria
Esse novo começa alto
Digo alto demais
Depois vai sumindo, sumindo
E tem que não aceita
Ajeitamento algum
Essa mania do povo 
De achar melhor o novo
Ah, que saudade do meu
Travesseiro velho

terça-feira, 14 de novembro de 2017

cor de céu

Disse o médico
Por que só agora
Trouxeram o menino
E correu correu comigo

Mas logo eu ia bem
Falaram do remédio
Do médico também
Mas não entenderam

Papai saiu triste
Viu à vitrine
Uma caminhonetinha azul
Comprou-a para mim
Uns faroizinhos vermelhos
Que giravam e tudo

Na cama ele fez trilhas
Amassando lençóis
Mamãe chegou
Brincávamos nós

Eu sentado
Caminhonetinha a mão
Papai acriançado
Fazendo vrroummm 
Vrroummm

Tinha aquilo de presente
Fora de Natal
Mas o principal
Era sentir 
Papai preocupado
Comigo

A Caminhonetinha
Cor de céu
Era materialização
De carinho

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O Rio

O rio passa
longe longe
Espia a cidade
Lá em cima

Sempre escuta
que ela lembra
Um presépio
E parece mesmo

O rio espia espia
Será falta algo
Àquele povo
Pensa o rio
Duvida

Tinha vontade
De ser gente
Por um só dia
Se faria mascate
Iria lá
Olharia olharia

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Inex

A água da chuva caiu sorrindo no bueiro, isso porque passou sobre um jornal e leu na previsão do tempo que não iria chover. O jornal nem se importou com o deboche, mais preocupado pela roda da carroça haver lhe levado um pedaço. Inexorável virou inex. Inex com xis, o que vão pensar...

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DIZ QUE É AMIGO

Falou em solidariedade
Que gostava de mim
Que contasse com ele
Mas o tom da fala
As expressões faciais
As bolinhas das narinas
Se agigantando
Negavam tudo 

sábado, 30 de setembro de 2017

não combina

não entendo
a palavra “feio”
... não é feia
se parece com
veio, cheio, seio
é corrente, clara
de vogais é farta
e na sequência
tirando-se
os extremos
o “a” e o “u”
...“e”...“i” ...“o”
feia é a palavra álacre
não me agrado dela
lembra lacre, ocre
é meio ácida
... podre


domingo, 17 de setembro de 2017

Na Lua

No metrô
Pessoas
Mais velhas
Em pé

(Em pé
Também
Eu vou)

Vaga um
Assento
Bem ao
Lado meu

Eu olho
Para os
Mais velhos

Vem um
Moleque
Duns
Dezessete

Assenta-se
Fone de ouvido
Batucando
O peito

Alienado

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

PERALTICE

Quando Deus pintava o mundo
Pediu ajuda aos anjos
Indicou-lhes as tintas
Permitidas

Foi avisando que algumas
Eram reservadas
Apenas ao Paraíso

Quando Deus acordou 
De um cochilo
De depois do almoço
Um susto

Topou com certo anjo
Já com o pincel imergido
Numa lata das
Tintas proibidas

Deus ralhou com o anjo
Tomou a tinta dele
Mas o anjo ficou com o pincel
Encharcado da tinta

O anjo, então, ido Deus
Como fosse padre aspergindo
Água benta sobre o povo
Entrou a aspergir da tinta
No céu da noite

Deus quando viu 
Sorriu em segredo
Que peraltice daquele
Seu filhinho
Mas até que gostou

Foi assim que o céu da noite
Acabou salpicado do
Que chamamos estrelas

domingo, 10 de setembro de 2017

Liberdade

O Lelinho presenteou-me
Com uma gaiola e
Um pixarro
Minha irmã sem
Querer derrubou
A gaiola no quarto
Voou, voou o pixarro
Aconteceu o que
Eu queria, mas tinha
Ânimo fraco

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Igual cachorro de mendigo

O morador de rua
Grita com seu cão
Sai, vai embora
Não quero cão

Diz meio chorado
Atirando pedras invisíveis
O cão se agita, se agita
Mas não o deixa

Comento com uma
Senhorinha que comigo
Assiste a cena

O cão não vai
Porque não
Entende palavras
O sujeito não
Quer na verdade
Que o cão parta

Parece triste
É consigo mesmo
Quem sabe achando
Que não mereça
Nem a amizade do cão

A senhorinha
Olha-me francamente
Diz, séria

Acho que está certo
Você parece ter boa capacidade
Para compreender
As fragilidades humanas

Dá dó de quem
Tem esse dom
(Ela ri um riso triste)
Sofre igual cachorro
De mendigo

domingo, 13 de agosto de 2017

Inquietação

Hoje, pai
Entendo o senhor
Esse jeito mais quieto
Essa disposição
Para o trabalho

Um vazio
Que se acalma
Apenas ante 
A certeza
De que se fez
Tudo que
Se podia

Falar, explicar
Dá muito trabalho
Escrever então
Nem se diga

O mundo, pai
Sei, não precisa
De tanta conversa
Mas sim de gente
Que efetivamente
Faça

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

REALCE

“Não nos deixei cair em tentação
Mas livrai-nos do mal”
Nos meus mais verdes dias
Parece eu sentia
Haver erro nessa frase
Esse “mas” soava estranho, esquisto
Como eu pedisse para não cair
Mas que não doesse
Se não caio, por que doeria?
Depois, mais maduro, entendi
Se caio em tentação, o que me vem
É correção
Já o mal é diverso
É aquilo que me vem sem eu merecer
Se temos o livre-arbítrio
Podemos também atentar
Versus alguém que não mereça
Então esse “mas” não é mas
De oposição ou restrição
É realce

domingo, 30 de julho de 2017

Palavra que Cala

Meu pai diz
(Sobre a homilia)
Que gosta daquela
Palavra que cala
Que paradoxo (lindo)
Palavra que cala
Uma fagulha
Àquela fundura
Mais recôndita
Algo doce, macio
Ao mais fundo íntimo
De onde futilidades
Estão distantes
Palavra que queima
Que desbasta
Que acomoda
(Que incomoda)
Que fica

sexta-feira, 14 de julho de 2017

ARREPIO

A renda
A renda
Eu me rendo
Voa murcha
A camisola
A pele
Arrepia

sexta-feira, 30 de junho de 2017

caminhos



Dos teus caminhos
A certeza da firmeza
Mas ao fim dos degraus
O calor capaz de incêndios

domingo, 25 de junho de 2017

INTRAGÁVEL

Redemunhos
Beiram
Meus pomares
E das trincas
Do meu eu
Sai algo lento
Que tento
Por em texto
Então mexo
Remexo
Não acho
O ponto
Me atrapalho
Paspalho
O caldo
Bem longe
Do que se
Esconde
Às trincas
Do meu eu
Pois 

Margaridas
Coladas as 
Minhas retinas
Sugerem
Passarinhos
Que sei
Não são
Reais
Apenas
Virais
Que viabilizam
O Intragável

sábado, 24 de junho de 2017

FIEL

Ele não trai
Não porque seja regra
Mas porque admira e
Gosta da dedicação dela
Do jeito que
Conduz as coisas
Do acordar sempre igual
Dela preparando os pratos
Da colher cheia
Para ele experimentar
Ele adora
Ele ama
O jeito sempre
Leve e alegre
Tem que se a trai
Joga fora que é
Mais respeitado
Em sua família
Por estar com
Uma pessoa seria
Joga fora o seu
Relacionamento
Com a família dela
Um povo tão bom
Mas não é por isso
Não trai porque
Ela não merece
Não trai porque não
Quer entristecer e
Nem perder a mulher
Que lhe faz tanto bem