sexta-feira, 9 de junho de 2023

herói da noite

papai foi a vila

preparou com capricho
o cavalo carrapicho
 
foi limpar arroz
comprar sal
linha e retrós
 
mamãe ficou comigo
já é noitinha
a lenha estrala em labaredas
e o feijão já cheira gostoso
 
mamãe de ouvidos abertos
busca pelo tropel do carrapicho
late o cão Rex
mamãe sente o peito apertado
 
um curiango pia longe
na mente de mamãe
farfalham preocupações
 
olha, escute o tropel
não, não acho que não
será será, será
mamãe abre a janela
espia lá fora

 

o vento faz tremer
a cortina de chita

é a chaminha da lamparina

mamãe se abraça se agita

 

é capaz que sejam bezerros
ou vento nas bananeiras
mamãe cresce os olhos
 
a lua já apareceu
e cadê o Tadeu
Ê Tadeu, ê Tadeu
 
deve estar de conversa
com o Zé Pereira
se deixar fica de prosa
a vida inteira
 
aí tropel outra vez
ou será o vento de novo
não... agora é mesmo
ela espia lá fora
 
sente o cheiro do roçado
no instante de dúvida

 
mas seu rosto se acende em riso
o tropel do carrapicho
enche a noite de ritmo
 
até que enfim
até que enfim
não gosto que seu pai
a noite por aí
 
Deus que livre e guarde
já pensou se cai
ela suspira
faz em nome do Pai
 
papai aparece
como um herói da noite
a longa capa cinza
cobre um corpo de homem
 
mas abaixo do chapéu escuro
vê-se o rosto
de menino tímido
 
papai lança sobre a mesa
um o pacote
sem dizer nada mamãe
se abre em riso
 
toda vez que vai a vila
papai trás para nós
um pacotinho com balas
 
mamãe adora essas balas
adora esse carinho
como beijinhos
açucarados
 
afoita ela desembrulha
a bala que lança a boca
com a língua vai rodando
a bolotinha açucarada
 
recebe nas balas
o beijo que meu pai não deu
contido por um jeito
tão antigo


na chaminha da lamparina

o menino vê um formato

de coração