segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NOITE NO MILHARAL

O milharal na madrugada
Mar verde-cinza-escuro
Folhas farfalhantes
Eu em apuros

Corre o vento em ondas
Estranhos ruídos
Lembram-me monstros
Estou asfixiado

Braços em riste  
Erguem-me mãos 
Que abrem caminhos
Ao longe, os galos
  
À luz do sol
O milharal
Não será
Tão assustador

Será há 
Sol capaz
De clarear 
Nossa escuridão?

Como disse   
A prima Valdene
A vida é sorrir
Sem vontade

E se fazer artista
Para aturar 
O amargo
Indigesto

domingo, 27 de novembro de 2016

Menina Feia

Na manhã branca
A menina feia
Ajeita tranças
Pula poças
Vê graça
Nas andorinhas
Mergulhando loucas
Nas águas do rio
Não sabe que isso
É sinal de chuva
Lá avoada
Cabeça na lua
Esquece-se saiu
Pra levar recado
Colhe florzinha
À beira da estrada
Encontra Lurdinha
Dá-lhe florzinhas
Lurdinha suspira
Pensa na chuva
Azedo o risinho
É como bem
Disse alguém
Só dá flores
Quem as tem


sábado, 12 de novembro de 2016

CATA


Foi assim
Depois que o Afonso Tiorfo 
Colheu as batatas
Lá na Mombaça
Muito ficou para traz
Por cortadas, esquecidas
Enterradas

Então ele permitiu 
O que chamávamos cata
Na cata, obviamente catávamos 
Depois tínhamos que passar
Na casa dele para dividir
Tudo meio a meio

A questão é que muitos não passaram
E houve ainda quem passou 
Apresentando apenas parte da cata
Um dilema. Ninguém nos vigiava
Eu, o Vander e o Gerson
Apresentamos toda nossa cata

Falaram (os que não dividiram)
Que éramos idiotas
Que éramos burros
Fico me perguntando como a vida
Cobrou deles a metade 
Que esconderam do Afonso Tiorfo



sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Nem Cabrito

- Vamos laçar uns bois, Tio Dito?
- Ché. Nem cabrito.
- Que isso, tio. Já-já o senhor tá bom.
- Nem cabrito. Nunca mais.
- Nunca mais é coisa que não se diz, tio.
- Digo sim. Doente como estou. E aos noventa.
(Ele olha o vazio. Eu me embaraço)
Ao me despedir eu não soube o que dizer
Foi ele quem usou a palavra
Disse "vai dar tudo certo"
Bateu três vezes as minhas costas
Ainda disse "se cuida".
(Era como se eu que estivesse
Com um problema; pois o dele
Já estava encaminhado)
Morreu dias depois
Nunca mais. Nem cabrito


domingo, 6 de novembro de 2016

Reflexões sobre o ter...

O homem simples leva sua produção de leite para vender. Leva num carrinho de mão. Vai suado, leva o máximo que aguenta. Vem o outro. Vem de longe. Diz: está levando o café também? É um deboche; mas o homem que leva apenas ri. O homem que fala está a dizer que a produção do que leva é tão pouca que é possível se tomar tudo com café ali mesmo. O homem que leva não se importa com a provocação. Vai pensando... Quanto de leite ao dia para ser feliz? 400, 4000 litros? Hoje é assim. Acham que temos que morrer de trabalhar. Intoxicar-nos de trabalhar. Isso é que é bom. É lindo falar estou sem tempo. Estou correndo. Mas para quê? O homem que leva ainda pensa: sempre sustentou a família sem essenciais privações. Do que mais precisaria? Para que mais? Por que esse jeito simples às vezes é confundido com incapacidade para se alcançar mais? Qual a necessidade de milhões no banco e vários automóveis a disposição? E a competência para ser feliz com menos, não conta?



sábado, 5 de novembro de 2016

MEDO DE ONÇA

Teve uma vez que o Tio Lauro
Veio do Bananal falando em onça
Alegou os motivos, fez caras
Eu cresci os olhos. Nossa!!!

O Hamilton lá em casa
Garantiu que o tio estava certo
Que o Tio Valdomiro também viu
Gatonas grandes igual bezerro

Pelo menos duas, disse, frio
Levantou o mesmo número de dedos
À noite fiquei pensando, pensando
De repente já ouvia passos, esturros

Entrei a revirar na cama, a gemer
Achei que o vento abriria a janela
Vai sofrer muito na vida, filho
Como você se impressiona

(Meu pai tinha medo que eu morresse)
(Veio). Disse esse pio é só urutau
Eu abracei o estômago, encolhi-me
Tudo no fingido passar mal

Acabei na cama entre papai e mamãe
Final feliz diverso daquel'outro dia
Que me finge doente pela flor quebrada
Mas isso já é outra história


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

RAZÕES

Toma juízo, mulher
Diz o marido
Aí a vida repisando
Aos mesmos espinhos
A mulher nada diz
Nem mesmo sabia
Por que fazia
O que nem mesmo
Ela concordava
Não percebia que
Fazia apenas para
Ouvir o marido resmungar
Amava especialmente
A parte em que ele dizia
Você está cada vez
Mais parecida com sua mãe
Era sentir um pouquinho
Da mãe, nela