segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A CARPA VERMELHA





A carpa no lago
Uma brasa viva
Faziam-lhe festa
Os meninos
Achavam-na bela
As mulheres
Queriam pescá-la
Os homens
Ela era experta
Sempre se safava
Pescou-a a menina
Que socou o ar
Queria ver
A cara dos primos
Mas mal a tirava
E já se arrependia
A carpa fora d’água
Que graça tinha
Tentou animá-la
Colocou-a à pocinha
A carpa não reagia
Enterrou-a a barranca
Ao pé das roseirinhas
Seria idosa
Que se deixou ser pega
Cansada de vida
Sem ter a resposta
Saiu refletindo
Olhou para trás
Achou tudo triste
As águas, o arvoredo
O céu, tudo triste
O lago sem a carpa
Mero acúmulo de águas
Águas bobas. Águas frias
Em casa a menina
Um desenho faria
De uma carpa vermelha
Que colocaria à parede
Uma bandeira a lhe lembrar
Que o belo está na liberdade
Que a graça está na vida

domingo, 25 de outubro de 2015

O Gato



De todo o mundo
O gato sem dono
Escolheu aquele fundo
Para seu reino
Quintal largado
De pouca comida
Ele mia e mia
Pra mostrar-se vivo
Será tá chorando
Será tá sorrindo
Vizinhos não gostam
Mia às madrugadas
Querem que morra
Querem que suma
Ninguém lhe trata
Meninos jogam pedras
Mulheres jogam xingos
Nem sabem da sua fome
Mas ele sobrevive
Cauda para cima
Não sei quantas vidas
Ainda lhe resta
Nem lembra o que é leite
Só lambe feridas
E assim vai seguindo
Tão sem carinhos
É estranho haver
Escolhido pra donos
Aqueles vizinhos
Qual pecado o seu
Pra merecer
Gente assim

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Guadalupe



Bem me lembro
Da moça na varanda
Ouvindo RPM na casa
Da Guilherme Bolzan
Algo nela me despertou
Um jeito atrevido
Uns óculos John Lennon
Bem lembro que a olhei
E ela me olhou daquele
Jeito sem dar pela coisa
Eu pensei como é a vida
Se uma menina dessa
Se torna minha esposa
Tão íntimos seremos
Mas agora, enquanto
Nada acontece
Ela me olha sem ver
Essa moça com cara
de Guadalupe

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

APOCALIPSE


As linhas angulosas da rua
Pareciam lição de perspectiva
Sobre ponto de fuga
Todas num ponto se convergindo
Um buraco-negro engolindo tudo
E ia-me esfumando
O que não era aquele ponto
E seu entorno imediato
Porque nele eu me concentrava
Porque rumo a ele lá você ia
Um ir para sempre
Não ponto de interrogação
Não ponto de ônibus
Mas sim ponto final
Na face me queimando
Um resto do seu beijo de despedida
Acabar tudo com um beijo
Beijo de Judas
Ou Judas seria eu
Com total incapacidade
Para o colorido vou ouvindo
Seu assovio de final
de jornada de trabalho
Depois que passasse aos
Umbrais do tempo, pronto
Eu seria passado
E você a mim, um não bem
Resolvido para sempre
Um eterno, e se, e se, e se,
Apocalipse do nosso amor