domingo, 11 de outubro de 2015

SEM PERCEBER



O seu pai está sem jeito. Estive na roça na semana passada. Uma bagunça de deixar qualquer um doente.
— Mas mãe. O pai tem que acordar tão cedo. Tanto leite para tirar. As terras para cuidar... Não são muitas; mas, pensa bem, ele sozinhinho. Decerto que malemá tem tempo para comer. Vai ficar alisando chão, tirando pó?
— Ele tem que se virar para manter tudo limpo e organizado como eu deixo. Tudo que eu mando ele não faz. Quando eu vou lá fico quase louca. A coluna, arrebentada. São pelo menos três dias de trabalho duro.
— De que adianta. A senhora alisa, alisa e depois vira as costas e tudo começa a ficar como antes.
— Ele tem que dar um jeito. É muito atrapalhado. Eu já mandei ele reservar pelo menos duas horas por dia.
— A senhora diz aí que mandou isso, mandou aquilo. Que mandou o que, mãe. A senhora tem é que pedir.
— Aha. Fique com sua gentileza entre você e sua esposa. Se mesmo mandando gritado ele já não faz direito. Imagina se peço com voz docinha. Aí que não faz nada. Essas conversas educadinhas são para vocês mais novos. Para um turrão feito ele tem que ser é no grito, para que o eco do mando da gente fique na cabeça dele, martelando, martelando. Só assim.
— Mas mãe...
— Nem vem. Está querendo aliviar para ele. É um absurdo. Vive no mundo da lua. Só tem cabeça para vaca, vaca, vaca...
— Ó mãe. Nós falando dele e parece que está chegado. Ouça o barulho na porta da garagem.
— É ele mesmo. Sempre no mesmo horário...
Oi pai, tudo bem?
— Tudo. E a esposa com as crianças?
— Tuta, você trouxe o coalho que mandei.
— Ih. Esqueci.
— E a semente de abóbora para a comadre.
— Também esqueci.
— Tuta do céu. Você é muito atrapalhado. Até parece que não faz o que mando só para me desafiar. Tudo o que mando ou não faz ou faz pelas metades.
— O senhor também, hem, pai. Já falei que tem que escrever as coisas que a mãe pede.
— Ela fala demais na minha cabeça. Quer tudo do jeito dela. Me desorienta.
— Quero o que é certo. Se não estou aqui para por ordem nas coisas, não sei como tudo estaria. E você fechou aquela galinha preta que está acabando com a minha horta?
— Ainda não deu tempo...
— Olha só. Depois que acabar a horta de que vai adiantar prender a galinha?
— Mas ó, replantei as roseirinhas que mandou.
— Aleluia. Agora tira a camisa que vou apertar esse botão molenga aí. O que vão dizer se te veem assim molambento? Que não tem esposa... Enquanto isso toma café que acabei de passar. Tem bolo de fubá com banana no forno. Fiz hoje.

Saí refletindo sobre o jeito dos meus pais. Sempre pareciam brigando, mas não. Ela costuma criticá-lo, quase impondo seu jeito. Também, é cada vacilo dele que nem acredito. Mas é um jogo... E acho que decifrei. Ela critica como a lhe dizer que sem ela a vida lhe é atrapalhada. Ele por seu turno erra até inconscientemente por querer, para lhe dizer que precisa dela. Que sem ela não é nada. E assim vão se dizendo eu te amo sem dizer (e até sem perceber). Amor sem palavras... O único. O verdadeiro.

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