— O seu pai
está sem jeito. Estive na roça na semana passada. Uma bagunça de deixar
qualquer um doente.
— Mas
mãe. O pai tem que acordar tão cedo. Tanto leite para tirar. As terras para
cuidar... Não são muitas; mas, pensa bem, ele sozinhinho. Decerto que malemá
tem tempo para comer. Vai ficar alisando chão, tirando pó?
— Ele tem
que se virar para manter tudo limpo e organizado como eu deixo. Tudo que eu
mando ele não faz. Quando eu vou lá fico quase louca. A coluna, arrebentada. São pelo menos três dias de trabalho duro.
— De que
adianta. A senhora alisa, alisa e depois vira as costas e tudo começa a ficar
como antes.
— Ele tem
que dar um jeito. É muito atrapalhado. Eu já mandei ele reservar pelo menos
duas horas por dia.
— A
senhora diz aí que mandou isso, mandou aquilo. Que mandou o que, mãe. A senhora
tem é que pedir.
— Aha.
Fique com sua gentileza entre você e sua esposa. Se mesmo mandando gritado ele
já não faz direito. Imagina se peço com voz docinha. Aí que não faz nada. Essas
conversas educadinhas são para vocês mais novos. Para um turrão feito ele tem
que ser é no grito, para que o eco do mando da gente fique na cabeça dele,
martelando, martelando. Só assim.
— Mas
mãe...
— Nem
vem. Está querendo aliviar para ele. É um absurdo. Vive no mundo da lua. Só tem
cabeça para vaca, vaca, vaca...
— Ó mãe.
Nós falando dele e parece que está chegado. Ouça o barulho na porta da garagem.
— É ele
mesmo. Sempre no mesmo horário...
— Oi pai, tudo bem?
— Tudo. E
a esposa com as crianças?
— Tuta,
você trouxe o coalho que mandei.
— Ih.
Esqueci.
— E a
semente de abóbora para a comadre.
— Também
esqueci.
— Tuta do
céu. Você é muito atrapalhado. Até parece que não faz o que mando só para me
desafiar. Tudo o que mando ou não faz ou faz pelas metades.
— O
senhor também, hem, pai. Já falei que tem que escrever as coisas que a mãe
pede.
— Ela
fala demais na minha cabeça. Quer tudo do jeito dela. Me desorienta.
— Quero o
que é certo. Se não estou aqui para por ordem nas coisas, não sei como tudo
estaria. E você fechou aquela galinha preta que está acabando com a minha
horta?
— Ainda
não deu tempo...
— Olha
só. Depois que acabar a horta de que vai adiantar prender a galinha?
— Mas ó,
replantei as roseirinhas que mandou.
—
Aleluia. Agora tira a camisa que vou apertar esse botão molenga aí. O que vão
dizer se te veem assim molambento? Que não tem esposa... Enquanto isso toma
café que acabei de passar. Tem bolo de fubá com banana no forno. Fiz hoje.
Saí
refletindo sobre o jeito dos meus pais. Sempre pareciam brigando, mas não. Ela
costuma criticá-lo, quase impondo seu jeito. Também, é cada vacilo dele que nem
acredito. Mas é um jogo... E acho que decifrei. Ela critica como a lhe dizer
que sem ela a vida lhe é atrapalhada. Ele por seu turno erra até
inconscientemente por querer, para lhe dizer que precisa dela. Que sem ela não
é nada. E assim vão se dizendo eu te amo sem dizer (e até sem perceber). Amor
sem palavras... O único. O verdadeiro.
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