quinta-feira, 27 de outubro de 2016

AINDA BEM

Na noite insone
Não contei carneirinhos
Afinal isso é pra crianças

Levantei. Tomei água
Espiei entre cortinas
Para os lados o horto
Céu feio, madrugada cinza

Voltei para cama
Resolvi contar
Não carneirinhos

Mas os gols que fiz
Não foi boa ideia
Vi que me agitava

Entrei a recordar
As casas em que morei
Vinte e uma

Visitei cada uma
Ao que cheguei à derradeira
Encontrei-me nela ainda acordado

Então entrei a enumerar
As garotas que beijei
Logo dormi

Ao acordar fui à cozinha
Achei café novo, bolo
E o sorriso da minha esposa

Pensei

Ainda bem que não
Jogo mais Futebol
Por amor aos meus ossos

Ainda bem que tenho 
Uma asa (um lar)
Apenas um

Ainda bem que há uma
Mulher que me ame
Uma. Apenas uma

sábado, 22 de outubro de 2016

Passiva

A menina abraça a mãe
Cheira a mãe
Beija-a com aqueles
Beijos molhados
Grudados
Afunda-se ao pescoço dela
Abaixo de uns cabelos grandes
Como copada de árvore
A mãe com uma boca torta
Quase como fizesse careta
(Como sofresse derrame facial)
Solta para o lado
As baforas de fumaça

De seu cigarro



terça-feira, 18 de outubro de 2016

Lúgubre

O pássaro

No galho seco

Sobre si

Um silêncio

Mudo

 

Quem pode

Falar dos

Seus

Medos

Dos seus

Desejos

 

Não crê

Em lugar

Seguro

Desconfia

De tudo

 

Abaixo de

Suas asas

O caos

Da meia

Noite

No meio

Dia

 

A Borboleta

Ali no Galho

O pássaro

Irrita-se

Ela ali

Tão próxima

 

Não pode

Ignorá-la

Devora-a

Sem ter

Fome

 

Que tolice

A dela

sábado, 15 de outubro de 2016

É

Eram raios
Trovões
Ventos
Estampidos
Como tambores
Ribombando
Bem aos meus
Ouvidos
Entre as
Frinchas
Da janela
O vento se
Apertava
Num pio
De horror
Naquele ar
Carregado
De cinza
Que medo
Que medo
Eu, uns
Cinco anos
Tapando ouvidos
Mentalizei
Deus me acode
Deus me acode
Sentia-me
Muito pequeno
Insignificante
Como estivesse nu
E de cócoras
Num campo aberto
Seria abatido
Pela tempestade
Que vinha
Daí, olhos ao chão
Ergui uma mão
Que foi pega
Por outra
Adulta
Quente e gorda
Dormi e dormi
Passarinhos
Bicavam a janela
Entre brincadeiras
Quando me despertei
O primeiro pensamento
Deus é gordo

terça-feira, 11 de outubro de 2016

REDEMUNHO

E veio um vento
Cochado, assoviado
Encrespado
Lambeu a terra
E dela ergueu pó
Folhas secas
E pétalas
Vi o corpo e
Achei que
Fosse vivo
Independente
Lá se movendo
De lá para cá
De cá para lá
Bailou, passeou
Fez ser visto
Depois cansado
Daquele corpo
O vento partiu
Soltando ao chão
O que era apenas
As folhas secas
As pétalas
O pó

domingo, 9 de outubro de 2016

LAMPEJO

quando busco os versos
caio noutro tempo
minha mente alcança
tudo mais lento

me pondo observador
então percebo
o que normalmente
não vejo

o desvendar diferente
é como assistisse
em câmera lenta
do cavalo o galope

traseira esquerda
traseira direita
dianteira esquerda
dianteira direita

e esse  devagarinho
no que vejo
descortina, tempera
da cor e sabor ao lampejo

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Pedras no caminho

Na casa da tia Rosa
E do tio Dâmago
Meus tios avós
(Diziam Tio Dama
Mania daquela gente
De simplificar os nomes)

Tantas e tantas flores
Já na entrada um arco
De Brinco de Princesa
Sobre a porta da sala

E dentro da casa, acreditem
Havia grandes vasos
Com florezinhas miúdas
Tipo trepadeira
E conforme cresciam, a tia
Ia ao barreado
Batendo preguinhos
Amarrando as flores

A coisa mais bonita do mundo
Flor dentro de casa
Morar num jardim
E o tio Dama
Brincava com as meninas
As voltas com seu cavaquinho
Tim tim tim, tim tim tim

Às vezes jogava quirera
Aos passarinhos
Na taipa do fogão
De onde espiava pela janela 
O corregozinho caudaloso
U vu u vu u vu u uvu

As visitas nunca saiam
Sem provar do famoso
Biscoitinho de polvilho
Frito na hora 
Com café recém-passado
E sorrisos

Ver tudo isso não vi
Soube pelos olhos de mamãe
Que mais se encantava
Com as pedras à volta
Não tiradas para que fosse
Erigida aquela casa
Aquele jeito de viver
Aquele mundo

Ao redor delas, das pedras
Muitas e muitas flores
Como as hortênsias
Coroando a pedra
Na porta da cozinha

Como no arroiozinho caudaloso
O caminho fazia volta
Para desviar-se das pedras
Coroadas dos coloridos
Das flores

O problema na vida
Não são mesmo as pedras
Mas sim como as encaramos
Os obstáculos estão
Na cabeça da gente

Aquela gente não apenas
Simplificava os nomes