sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

No Ano Novo, apenas sejamos.

O que é sempre foi e sempre será. 

O que deixou de ser, nunca foi.

O Absoluta não se explica.

Se sente e pronto. É o que é.

O que nos levou a sentir pode ser descartado. 

Não reside nada especial aí.

Não queiramos sistematizar, ensinar.

Nada é o que parece ser.

A Onda onipresente traz as energias 

e direcionamentos necessários.

Essa Onda é o que é e sempre foi.

Não vejamos o que vemos,

Pois o que vemos é o que não é.

Se alcançarmos além, sentiremos o incognoscível.

Olhemos para dentro. Sintamos.

Não há nada fora que valha uma lágrima nossa.

Da floresta que desconhecemos 

Somos influenciados pelas sombras,

sem saber que são sombras.

Quando reconhecemos algo, 

pensamos extrair a árvore.

Sem cuidar que arrancamos apenas o visível.

Tanto tempo a árvore lá,

Impôs desdobramentos ao ecossistema.


No Ano Novo, firmemos compromisso

Com o sentir. Apenas sejamos.



sexta-feira, 9 de junho de 2023

herói da noite

papai foi a vila

preparou com capricho
o cavalo carrapicho
 
foi limpar arroz
comprar sal
linha e retrós
 
mamãe ficou comigo
já é noitinha
a lenha estrala em labaredas
e o feijão já cheira gostoso
 
mamãe de ouvidos abertos
busca pelo tropel do carrapicho
late o cão Rex
mamãe sente o peito apertado
 
um curiango pia longe
na mente de mamãe
farfalham preocupações
 
olha, escute o tropel
não, não acho que não
será será, será
mamãe abre a janela
espia lá fora

 

o vento faz tremer
a cortina de chita

é a chaminha da lamparina

mamãe se abraça se agita

 

é capaz que sejam bezerros
ou vento nas bananeiras
mamãe cresce os olhos
 
a lua já apareceu
e cadê o Tadeu
Ê Tadeu, ê Tadeu
 
deve estar de conversa
com o Zé Pereira
se deixar fica de prosa
a vida inteira
 
aí tropel outra vez
ou será o vento de novo
não... agora é mesmo
ela espia lá fora
 
sente o cheiro do roçado
no instante de dúvida

 
mas seu rosto se acende em riso
o tropel do carrapicho
enche a noite de ritmo
 
até que enfim
até que enfim
não gosto que seu pai
a noite por aí
 
Deus que livre e guarde
já pensou se cai
ela suspira
faz em nome do Pai
 
papai aparece
como um herói da noite
a longa capa cinza
cobre um corpo de homem
 
mas abaixo do chapéu escuro
vê-se o rosto
de menino tímido
 
papai lança sobre a mesa
um o pacote
sem dizer nada mamãe
se abre em riso
 
toda vez que vai a vila
papai trás para nós
um pacotinho com balas
 
mamãe adora essas balas
adora esse carinho
como beijinhos
açucarados
 
afoita ela desembrulha
a bala que lança a boca
com a língua vai rodando
a bolotinha açucarada
 
recebe nas balas
o beijo que meu pai não deu
contido por um jeito
tão antigo


na chaminha da lamparina

o menino vê um formato

de coração

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Premência

 

Eu tenho uns sonhos que, se contar, é capaz que duvidem. Mas, não me preocupo. Conto mesmo assim. Desta vez sonhei que estava em Consolação e que escrevi um poema sobre passado, presente e futuro. Que publiquei o texto na internet. E que o meu pai veio me falar que seu amigo José Pereira leu o texto e gostou. Disse que gostou muito. Aí meu pai me disse as palavras que o José Pereira lhe disse. Eu observei: pai, estou admirado com o entendimento avançado do José Pereira, e, igualmente, impressionado com o que senhor reteve das palavras dele. Significa que o senhor também está no mesmo nível de conhecimento/entendimento dele. Eu não lembro de nada do suposto poema que escrevi, e nem das palavras que meu pai falou. Incrível como nos esquecemos de tudo segundos após acordamos. Fica apenas a ideia. Ocorre que meu pai fez uma observação final e disso lembro. Ele disse, para finalizar, que o José Pereira arrematou dizendo que “é no presente que está a premência”. Refletindo, isso já acordado, sobrei surpreso. A palavra premência não está entre as que uso coloquialmente. Mal sei seu significado: urgência, que exige rapidez, conferi depois. Observo primeiro que, na verdade, em minha mente não haveria o verdadeiro José Pereira e nem o meu verdadeiro pai dizendo coisas. Seria o meu pai da minha mente falando o que o José Pereira teria dito. Enfim, mas seria o José Pereira da minha mente também. Resumindo... Sou eu apenas. Apenas eu de mim para mim mesmo. Mas como seria possível se mal sabia o significado da palavra? Outra, e este é o segundo ponto, o que seria isso de “é no presente que está a premência”? No presente que estaria a urgência? Não faz sentido... Então busquei refletir. Conclui que premência é o ato de premir ou premer... que seria o mesmo que apertar, espremer. Então, pensemos numa laranja. Se é laranja do passado, com lá aquelas das laranjeiras da casa da madrinha Lázara que eu gostava tanto. Até recordo o sabor. Se é laranja do futuro, da chácara que haverei de organizar, até imagino o dulçor. Agora, isso tudo é imaginação. O verdadeiro dulçor do caldo da laranja posso experimentar apenas no agora. Apenas nele posso “premer” a laranja que Luciana acabou de trazer da feira, para conhecer o sabor, o verdadeiro sabor. Então, o José Pereira está certo. Não devo sobrar imerso em suposições, pelo que já conheço. "É no presente que está a premência". Apenas neste grande agora posso e devo “apertar” o que me vem, para, com curiosidade de criança, mente limpa, verdadeiramente conhecer, e nisso devo me fiar. Agora, de onde me vem essa mensagem, sigo sem saber. De qualquer forma, agradeço ao José Pereira (que já não está mais entre nós), e ao meu pai.