Prezado Jayme. Como vai? E a família?
Os meninos... a Raquel... Já 2021, hein! Esquisito. Cá vamos espremidos em dias
lentos que demoram avançar; mas que depois que vão, deixam pouco. Quase como não
houvessem existido. 2020 parece que mal começou. Tudo porque corre uma besta lá
fora, primo, e os urubus rondam, rondam. Andamos tão necessitados de encontros
presenciais, de aglomeração; mas nem careço dizer que por ora são
inoportunos. Foi mesmo uma pena não acontecer a reunião anual de "di'diano" da
Sabinada, agora no início de 2021. Quando nos reunimos no dia inaugural de
2020, quem diria que em 2021 seria diferente? A vida é mesmo assim, preciosa.
Devemos valorar cada momento. Certo dia fazemos algo pela derradeira vez sem
nos darmos conta. Sei que foi uma tristeza para cada Sabino ficar em sua casa,
desvestido dos abraços, desenfeitado dos beijos, privado dos risos e goles que
amiúde acontecem no explosivo encontro na casa da vó Eugélia. Desta vez não precisamos
desenhar cruzes de sangue nos nossos portais, como daquela vez no Egito. Apenas
permanecer em casa. E agradecidos. Triste mesmo, para quem ficou pelo caminho, para os
familiares. Tem também a tristeza das pessoas se desentendendo. Esses momentos
de medo revelam o obscuro em nós. Nas redes sociais, as pessoas gritam, gritam.
Gritam para si mesmas. Sem espaço para o debate, para a escuta. Nossas ações
tem um oculto que quer se esconder. Expectativas infantis que transmigram uma
coisa em outra. Quero dizer que atrás de um ódio, de uma raiva, pode ver, há
sempre um oculto que quer se disfarçar. Como diz uma amiga, todo exagero
esconde uma falta. Uns criticam quem não sai de máscara. Outros criticam quem
sai da máscara. Uns parecem gostar do caos. Que juízo! Outros parecem negar.
Que doentio! E lá fora a besta corre e os urubus rondam. Quando eu era criança,
eu era o mais novo de muitos primos. Eu vivia num sítio. Eles viviam as mais
incríveis aventuras. Por ser menor, minha mãe vetava que eu os acompanhasse.
Dizia que eu tinha que crescer primeiro. Era um tédio. Assim eu vivia a espera,
na varanda, olhar perdido, notando as montanhas mais distantes, esperando o
tempo passar. Agora revisito esse fastio, de espera até não sei quando. Mas os
ventos hão de mudar, primo Jayme. Sempre mudam. Esperamos que a alegria volte.
Agora é madrugada. Cantam os sabiás. Alaranja-se o horizonte. Já sinto o cheiro
do novo dia. A besta aí fora passará, porque tudo passa. Esperamos que em 22 a
Sabinada volte a se encontrar lá na Rua São Roque, perto da caixa d'água, com a volta do poder
anestesiante dos abraços. Por enquanto, a nossa esperança vai numa agulhada. O meu
abraço.