domingo, 28 de agosto de 2016

CUIDADO


O da camisa vermelha
Ouviu do de camisa branca
Olha para ser franco
Não quero desgostá

Aquele meu boi amarelo
Tá varando é lá na barranca
Olha pra ser franco
Não tem como não vará

Fala que meu boi é varadeiro
Mas sua cerca tá ruim sem tanto
Dois arames num espeto
Não tem como não vará

Não quero sê encrenqueiro
Lhe peço com acatamento
Ajeita a cerca naquele canto
Senão nós vai descumbiná

Com quatro fios bem firmados
O boi não passa, agaranto
Se passá vendo no corte
Não quero desgostá

Arresorve sua cerca velha
Adispois fala que o boi é sem jeito
O sinhô conhece meu temperamento
Nós vai descumbiná


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O Homem do Outro Lado do Rio

Deus, seu moço
Mora numa beirada de rio
Perto duns barrancos
Protegido num matinho ralo
Cheio de passarinhos
O máximo que podemos chegar
E na margem oposta
E é custoso pra gente chegar lá
Primeiro tem um trecho deserto
Depois, muito precipício
Com pedras pontudas
Espinhos, tocos
Cobras, marimbondos
Apenas próximo ao rio
Um ribeirãozinho de nada a bem dizer
É que começa a esverdear
Se a gente chegar bem perto
Mas bem perto mesmo
Podemos ver Deus do lado de lá
Movimentando-se detrás da vegetação
Vemos só umas partes Dele, uns vultos
Tudo de forma muito rápida
(Tem gente que fala que chega
Lá pelos jardins
Mas eu parece, duvido
Sabe aquela mulher que nunca
Gozou e não sabendo como é
Então fala que goza
Porque aquilo que sente
Pensa que é o gozo)
Se esticarmos as mãos
Lá do nosso lado da barranca
Em direção a Deus
Ele também esticará
E então nossas mãos
Quase se tocarão
(Atravessar o rio não tem como
Não por agora)


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Celular Velho

O celular, todo descascado
Também, tanto esteve
Nas mãos e lábios do dono
Tinha o calor, o frio e até chuva
Enquanto caminhava o dono
Gostava de ligar ao pai
E se falavam e se falavam
Até por hora. O suor
Umedecendo tudo
Era celular velho, maltrapilho
Teclas enroscando
Som baixo e com
Falhas intermitentes
O dono pensou em melhora
Comprou celular novo
Agora sim. Algo decente
Com tantos recursos
Mas então, um problema
O dono tem receio
De usá-lo enquanto caminha
Pode ser furtado
E tem o suor, e tem a chuva
Então ao pai quase não liga
Tempo. Onde encontrá-lo
No fundo da mente a vozinha
Tenho que ligar para meu pai
Tenho que ligar para meu pai
E o tempo vai, e o tempo vai
Semanas e até mês se vão
No fundo da mente
A vozinha grita
No fundo da gaveta
O celular desbotado
Que envergonhava
O dono, espera


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

CINZA

O céu era cinza
As montanhas cinzas
Flores e pássaros cinzas
Tudo cinza
O mundo cinza
Eu olhava a casa velha
Quando minha filha chegou
Pedi-lhe que descresse
A natureza que via
Ela olha o céu
Às montanhas
Diz nossa papai
Tudo colorido e brilhante
Fiquei feliz
Beijei-a
Pelo menos não
Estava contaminada
A cinza, agora
Não falo da cor
Falo da cinza do fogão
Deve não por acaso
Ter essa cor
Uma cor de não
É quase mais nada
De sobra do que foi

sábado, 13 de agosto de 2016

MARIMBONDOS

Às vezes
Sinto
Há marimbondos
No caminho
Penso
Devo buscar
Outros trilhos
Mas não raramente
Quem vem comigo
Quer por que quer
O rumo
Com marimbondos
E tudo
E também
Não raramente
Eu
Trouxa
Cedo
Acabo picado
Primeiro
É bom doer
Deixa doer
É bom
Para eu
Aprender


terça-feira, 9 de agosto de 2016

nois

mexero com nois
nois não vai aceita
nois e bão
mas num é paiaço
onde já se viu
nois é nois
nois num é um só
nois tumem é gente
nois carece vive
do nosso jeito
nois num é besta
nois num é bosta
nois num estudo
mais entonces
nois num é gente
só prucausa num 
sabemu faze poema
nois num sabe
mais nois tem sentimento
nois tem medo
mais tumem tem corage
nois gosta do bonito
mas nois num tem nada
tem só a vida nossa
sem ropa bonita
sem casa bonita
sem tudo bonitu
nois num tem
nem sonho direito
nois tem o que nois ve
a natureza
o amanhecer
os passarinho
agora que tirar
o nosso presente
um restim de nada
de sonho que nois tem
nois num vai aceita
vancê não vai consegui
não facinho
nois vai rebeliá


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A MATA

A mata sempre
Me pareceu mágica
Sempre imaginava
Encontrar ali
Algo surpreendente
Aqueles pios
Aqueles assovios
Aqueles gritos

Tudo ao fundo
Escondido
Num fresco gostoso
De uma penumbra
Que dava vontade
De fazer casa na árvore
E morar ali para sempre

Ficava imaginando
Como seria a noite ali
Um céu tão bonito
Mas devia ser frio
E também dar
Muito medo
Na gente

Pensa bem
Aqueles pios ao fundo
Parecendo gemidos
A gente sem ver nada
Porém o amanhecer
Devia ser extasiante
E compensar tudo

Não quero parecer bobo
Mas perfeição maior
Que a da mata
Eu pensava
Não existir

Hoje não penso
Tanto na mata
Quase me esqueço
Que ainda existe
E se eu quiser
Ainda posso fazer
Uma casa na árvore
E morar lá para sempre
Para morrer de medo
Nas noites
E renascer revigorado
No dourado das manhãs

terça-feira, 2 de agosto de 2016

DOIS PÉS PARA CAMINHAR

Sabe aquele negócio
Você põe um pé num ponto
E o outro mais adiante
Como medisse o tamanho do passo

Lá na roça de conversa com o pessoal
Vendo os meninos brincarem
Vi que o nosso estado emocional
É parecido com isso de abrir o passo

Um pé da gente está sempre
Lá meio atoladinho num cinza
Certo tristinho, certa melancolia
Já o outro pé nós esticamos
Jogamos o mais adiante possível
Buscando do brejinho distância

É nesse pé avançado que
Alçamos alguma alegria
Alguma felicidade
Alguma luz

Assim é perfeitamente possível estar alegre
Porque o pé avançado alcança esse ponto
E ao mesmo tempo meio melancólico
Com uma nuvenzinha aberta ao peito

Quem me disse isso foram
Aquelas pessoas simples que achamos
Que são apenas alegria e felicidade
Mas não é bem assim
É que focam no pé avançado
Mas sem negar o outro

Hoje só querem a alegria, a felicidade
Querem negar esse lado cinza da gente
Esse lado que cutuca e nos faz refletir

Miram apenas na felicidade pura
E cor-de-rosa dos bobinhos
Para isso usam até remédio

Se cortam o nosso pé que fica no brejo
O zero da escala. Ficamos sem referência
Como andar, dançar, correr com um pé só?

E não me venham com Saci Pererê, por favor
Ele não existe igual à felicidade pura

Dos finais de novela