terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Bidê



As casas raramente possuíam banheiro. E quando falo
Banheiro falo do óbvio. Vaso, descargas, lavatório.
Isso quando eu era criança, pelos lados de onde fui criado,

Havia casa com fossa, buraco escuro no chão que
Parecia levar as imundices para outra dimensão.
Eu morria de medo daquele troço.

Havia também os casos de apenas moitas, principalmente
De bananeiras. Mas o mais comum eram mesmo os pênicos.
Enfim, o que quero dizer é que havendo me mudado para Cambuí,

Eu fui à casa de um colega de escola. O pai bancário,
A mãe professora. Pedi para usar o banheiro.
Fiquei ma-ra-vi-lha-do. Achei o máximo da sofisticação o bidê.

Trinta anos depois eu deveria adquirir um apartamento em BH.
Visitei muitos. Por fim fiquei na dúvida entre três.
Desses, um possuía bidê nos banheiros. Nem preciso dizer qual escolhi.

E agora a Luciana vem com essa de tirar o bidê não sei para quê,
Para por no lugar aquelas duchinhas inventadas para
Apartamentos sem espaço para bidê? Não e não mesmo. 

Mais moderno... Mais moderno o escambau. Isso é desculpa dos
Construtores que querem gastar menos. Impõe-nos algo inferior
E vem com essa de moderno para que não sintamos enganados.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

2016



Gostei da conversa das duas. Ao que passei já se falavam,
Enquanto varriam. Uma dizia a outra que tivesse fé, que
Tudo acabaria bem. No ano novo seria vida nova.

A que ouvia parecia importar-se com o conceito da que falava,
E a conversa lhe era positiva. A que falava virou de assunto,
Parece caçando espantar algum aborrecimento da outra.

Quis saber como ficou a receita de panetone. A que ouvia iluminou-se.
Disse que o neto gostou muito. Diante do que seriam suas casas varriam
A calçada coberta de florezinhas amarelas das árvores de uma das ruas de Santa Tereza.

Duas casas tão parecidas. Casas daquele tipo antigo, com vô e vó,
Papelzinho da novena de Natal à porta.
Lembrei-me de tanta gente ali. Eram do tipo vovozinhas, cabelos brancos.

Da rua chegou um senhor com cabelos repartidos ao meio.
Grisalhos também. Deteve-se por um segundo congelando o olhar
Numa Brasília branca estacionada um pouco adiante que era um luxo.

Depois se descongelou. Abanou uma mão às duas. Elas sorriram
Cordialmente. Feliz 2016, ele ainda disse. Feliz 2016 para todos nós,
Uma das duas respondeu. Decerto era marido da que não respondeu, pensei.

Quase confirmação tive em seguida. O sujeito entrou
Numa das casas e foi logo seguido da que seria esposa, que entrou
Ligeiro dizendo que o bolo de fubá já devia estar quase queimando.

Ao que ela disse a derradeira palavra eu já não mais a via,
Tamanha a pressa com que afundou a sua casa. Apenas então dei pelo
Cheiro do bolo, cheiro de antigamente.

Decerto o cheiro do bolo há tempos já me Influenciava ali
Na leitura do que eu via e sugeria preenchimento às lacunas do
Que eu não sabia. E eu nem percebendo.

Nossa interpretação do presente é mesmo cheia de passado
E geralmente nem damos conta.  De repente dei pela que varria,
Agora sozinha, encarando-me desconfiada.

Fiquei sem graça. Abanei uma mão. Feliz 2016 para a senhora, eu disse.
Feliz 2016, ele respondeu com má vontade. Ato contínuo já entrando
Em sua casa fazendo ranger um portãozinho, vassoura em punho.

Pelo histórico do que conhecia decerto interpretou-me da pior maneira
Possível. Um malandro rondando o bairro. Ao que fui Andando, pensei.
Que em 2016 o passado nos seja ouro, influenciando-nos apenas positivamente.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O Parquinho



Que festa que era. Quem vivenciou não se esquece. Não eram tubos de aços e correntes rangentes. Era liberdade não delimitada, quintal de casa de vó. Eu ia aos domingos e bem me lembro. Tinha aquele senhor irmão da D. Amélia. Alguém lembra o nome dele? O que cuidava da chave. A gente ia chamá-lo e ele ficava bravo. Já vou, já vou. Dizia ele. Morava numa casa de tijolos sem reboco, na esquina onde é a casa do Dito Alemão hoje. Gostava de criar pássaro preto e colocar asa nas canecas. Inesquecível o parquinho atrás da igreja. Brinquei lá desde meus dois anos debaixo do olhar da mamãe. Eu subia numa espécie de gaiola. Ficava alto, dependurado. De cabeça para baixo. Se caísse o olhar de minha mãe não me seguraria. Que perigo. Sempre-sempre caía alguém. Mas acidente grave nunca soube que houve. Eu mesmo quase caí da escada horizontal certa vez. Faltou um isso. Ah, lembrei-me do nome, era Lazo da Cotinha. Quando ele abria os portões do parquinho era aquela correria. Tudo se iluminava. Que tempinho bom. O escorregador era meu preferido. Muito divertido. Que delícia de parquinho, sempre cheio. Havia um gira-gira que chamávamos roda-gigante. Lá eu gostava de brincar com o Amauri, que se impressionava com a resistência da gangorra. Um dia quase foi acertado pelos meninos dos balanços, lá distraído e impressionado com a gangorra. A Antônia levava seus sobrinhos para brincar e acabava brincando também. Não se esquece do tombo que levou. Ficou morrendo de vergonha, estava com um vestido godê que lhe foi à cabeça. Caiu porque foi empurrada por um garoto louco de alegria. Quando cansávamos íamos comer pastel na casa em frente, naquela com belo brasão sobre as portas. Era a pastelaria do Zé João e sua esposa D. Maria Francelina. Íamos tirando areia da roupa. Não sei como tanta areia ia parar nas roupas da gente. É uma pena que lá não exista algo assim nos dias de hoje. Acabou o parquinho. Morreu o Lazo da Cotinha. Quando a Janete tinha uns 8 anos a D. Ivone durante a aula avisou com voz penosa que ele faleceu. A Janete se recorda como fosse hoje. Todos ficaram tristes. Morreu o Lazo da Cotinha. Coitadinho dele. Acabou o parquinho. Crescemos. Coitadinhos de nós

domingo, 20 de dezembro de 2015

LUZ


Ele não sabia o que fazer. Mesmo assim decretou, firme: vamos em frente. Tinha plena ciência de que dificuldades viriam. Porém esperava algo mágico. A esposa tão jovem e bela, seguia silente, serena. Ele lhe invejava a calma. Não compreendia como ela podia ser assim. Seguiram, seguiram. O dia já se acabava, com a corcova das montanhas com aquele dourado desbotado de restinho da tarde. Ele também procurou não falar muito, receoso de que ela lhe notasse traço de angústia nas palavras. Ela respirou fundo, pôs uma mão na barriga. Doeu nele, franziu o cenho. Ele se sentia sufocado com aquela tamanha barriga dela. Uma falta de ar que lhe alçava às alturas cinza da inquietude. Ela lhe notando o jeito devolveu um olhar de ternura. Olhar daqueles que dizem por mil palavras. No silêncio do caminho, apenas o som dos passos do jumentinho. Por sorte o andar dele era macio. Se assim não fosse, como transportar uma grávida prestes à luz. O homem cansou de seguir. Cansou de esperar pelo extraordinário. Resolveu ajeitar-se no local tão rústico. Seria apenas por aquela noite. Um bom abrigo, não se podia negar, embora o olor ácido de capim seco. O temor máximo era que o bebê viesse à luz àquela noite. Ele deveria se acautelar por ele e pela esposa, pensou ajeitando atabalhoadamente os cabelos. Enfim ela disse: está tudo bem, enquanto ajeitava seus panos limpos. Ele olhou para um lado, para outro. Dissimulando garantiu que sim, que estava tudo bem. Ela parou com o que fazia e disse olhe para mim. Ele olhou. Eu não estou perguntando. Estou afirmando: está tudo bem. Ele sorriu. Um riso sem graça. Gostou do jeito firme dela. Saiu para buscar água, encabulado, arrastando pés, pensativo. Um cordãozinho de água escorregava-se numa barranca próxima. Ele podia ouvir o cantar da água, correndo por entre pedras. A esposa tão jovem e linda. Suspeitava que ela não receava o incerto por inexperiência. Pela visão infantil de mundo. Sim, ele deveria se acautelar por ele e por ela. Ao que chegou com a água deparou-se com o pior. Não o pior, pior. Pior porque a esposa entrava em trabalho de parto. Mas não se pode dizer o pior no sentindo de que algo ruim tenha acontecido. Foi tudo muito doce e fácil. Ali o filho nasceu. Perfeito. Tudo tão diverso do que ele supôs em seus medos. Ele olhou para a esposa, olhou para o filho. Entrou a alternar o olhar entre os dois. O filho chorou macio, quase como cantasse. Um choro flauteado. A esposa ofereceu o peito. O filho mamou. Logo o menino ficou satisfeito e dormiu. A esposa também dormiu. Os dois tão belos. Ele quis por uma mão neles, fazer um carinho. De repente recuou. Não soube bem, mas parece foi tocado por algo. Como não devesse tocá-los. Ficou ali congelado por um tempo, já sentindo na respiração o úmido da madrugada. Logo lhe chamou atenção certa claridade. Olhou por um desvão na cobertura de sapê da entrada da gruta. No pedaço de céu visível, uma estrela. Parecia estacionada ali em cima. Entrou agora a alternar o olhar entre a estrela, a esposa e o filho. Em qualquer um dos três, via luz; apenas luz. Era isso, pensou. O segredo da esposa era ver apenas luz, por isso treva alguma lhe perturbava. Era como não existisse. Começou a desconfiar que fosse ele o infantil, com seus mil medos e receios. Desconfiou também que de repente algo mágico acontecia ali e ele não percebia direito. Tirou-lhe dos devaneios a chegada de três senhores. Encontraram-no com luz nos olhos, pelo reflexo da estrela no úmido pela emoção.
(Kirk Costa)


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Formulário do censo de 1970



Depois de vários dias de chuva o dia amanheceu de sol. Saí descalço, pulando, sentindo o chão geladinho e o cheiro da terra ainda molhada. Do meu embornal o Tio Otávio tirou um formulário do censo de 1970, (meu pai foi recenseador e sobraram muitos formulários). Dobrou, dobrou, redobrou, tridobrou. Com esmero reforçou cada vinco, especialmente o bico. Abriu a peça como fosse leque. Conferiu as asas. Alinhou. Balanceou. Fez com uma mão como fosse lançar uma lança. Enfim lançou como lançasse uma lança. O aviãozinho voou, voou. Sobre a casa, o abacateiro, a estrada. Correu uma brisa. As folhas do abacateiro se agitaram chiado. O aviãozinho foi alçado às alturas. Meus olhos brilharam. O tio Otávio pôs uma mão tesa na testa e diminuiu os olhos, para ver melhor. O avião ia como fosse desenhando montanhas no ar. Voou sobre o pasto de bezerros, o corregozinho da divisa, o morro da usina, o pinheiro. Eu bati palmas pulando. Senti meus cabelos lisos me batendo a testa. Os olhos do tio Otávio também brilhavam. Voou sobre o campinho, a pedra da curva, as laranjeiras. O Jaú deixou as galinhas e pulou tentando alcançar o aviãozinho. Não conseguiu. No pulo esquisito atrapalhou-se e quase caiu. O padrinho Braz sorriu. Cachorro bobo, ainda disse. O tio Otávio também bateu palmas. Sorria e sorria. O aviãozinho seguiu, embora já perdesse forças. Foi pousar mansamente no jardim de roseirinhas da madrinha, assustando uma corruíra que fazia ninho por ali. Duvido que algum outro formulário do censo de 1970 tenha sido mais bem utilizado.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Caminhos



Chegou João
Chegou Antônio
Chegou Maria
Todos chegaram
Por um caminho
Tudo chega
Por um caminho
O que é bom
O que é ruim
Tudo por um caminho
O que mereço
O que não mereço
Tudo por um caminho
Caminho que sempre
Tem muito de minha
Contribuição
Na sua concepção