domingo, 20 de dezembro de 2015

LUZ


Ele não sabia o que fazer. Mesmo assim decretou, firme: vamos em frente. Tinha plena ciência de que dificuldades viriam. Porém esperava algo mágico. A esposa tão jovem e bela, seguia silente, serena. Ele lhe invejava a calma. Não compreendia como ela podia ser assim. Seguiram, seguiram. O dia já se acabava, com a corcova das montanhas com aquele dourado desbotado de restinho da tarde. Ele também procurou não falar muito, receoso de que ela lhe notasse traço de angústia nas palavras. Ela respirou fundo, pôs uma mão na barriga. Doeu nele, franziu o cenho. Ele se sentia sufocado com aquela tamanha barriga dela. Uma falta de ar que lhe alçava às alturas cinza da inquietude. Ela lhe notando o jeito devolveu um olhar de ternura. Olhar daqueles que dizem por mil palavras. No silêncio do caminho, apenas o som dos passos do jumentinho. Por sorte o andar dele era macio. Se assim não fosse, como transportar uma grávida prestes à luz. O homem cansou de seguir. Cansou de esperar pelo extraordinário. Resolveu ajeitar-se no local tão rústico. Seria apenas por aquela noite. Um bom abrigo, não se podia negar, embora o olor ácido de capim seco. O temor máximo era que o bebê viesse à luz àquela noite. Ele deveria se acautelar por ele e pela esposa, pensou ajeitando atabalhoadamente os cabelos. Enfim ela disse: está tudo bem, enquanto ajeitava seus panos limpos. Ele olhou para um lado, para outro. Dissimulando garantiu que sim, que estava tudo bem. Ela parou com o que fazia e disse olhe para mim. Ele olhou. Eu não estou perguntando. Estou afirmando: está tudo bem. Ele sorriu. Um riso sem graça. Gostou do jeito firme dela. Saiu para buscar água, encabulado, arrastando pés, pensativo. Um cordãozinho de água escorregava-se numa barranca próxima. Ele podia ouvir o cantar da água, correndo por entre pedras. A esposa tão jovem e linda. Suspeitava que ela não receava o incerto por inexperiência. Pela visão infantil de mundo. Sim, ele deveria se acautelar por ele e por ela. Ao que chegou com a água deparou-se com o pior. Não o pior, pior. Pior porque a esposa entrava em trabalho de parto. Mas não se pode dizer o pior no sentindo de que algo ruim tenha acontecido. Foi tudo muito doce e fácil. Ali o filho nasceu. Perfeito. Tudo tão diverso do que ele supôs em seus medos. Ele olhou para a esposa, olhou para o filho. Entrou a alternar o olhar entre os dois. O filho chorou macio, quase como cantasse. Um choro flauteado. A esposa ofereceu o peito. O filho mamou. Logo o menino ficou satisfeito e dormiu. A esposa também dormiu. Os dois tão belos. Ele quis por uma mão neles, fazer um carinho. De repente recuou. Não soube bem, mas parece foi tocado por algo. Como não devesse tocá-los. Ficou ali congelado por um tempo, já sentindo na respiração o úmido da madrugada. Logo lhe chamou atenção certa claridade. Olhou por um desvão na cobertura de sapê da entrada da gruta. No pedaço de céu visível, uma estrela. Parecia estacionada ali em cima. Entrou agora a alternar o olhar entre a estrela, a esposa e o filho. Em qualquer um dos três, via luz; apenas luz. Era isso, pensou. O segredo da esposa era ver apenas luz, por isso treva alguma lhe perturbava. Era como não existisse. Começou a desconfiar que fosse ele o infantil, com seus mil medos e receios. Desconfiou também que de repente algo mágico acontecia ali e ele não percebia direito. Tirou-lhe dos devaneios a chegada de três senhores. Encontraram-no com luz nos olhos, pelo reflexo da estrela no úmido pela emoção.
(Kirk Costa)


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