Ele
não sabia o que fazer. Mesmo assim decretou, firme: vamos em frente. Tinha plena
ciência de que dificuldades viriam. Porém esperava algo
mágico. A esposa tão jovem e bela, seguia silente, serena. Ele lhe invejava a
calma. Não compreendia como ela podia ser assim. Seguiram, seguiram. O dia já se
acabava, com a corcova das montanhas com aquele dourado desbotado de restinho da tarde.
Ele também procurou não falar muito, receoso de que ela lhe notasse traço de
angústia nas palavras. Ela respirou fundo, pôs uma mão na barriga. Doeu nele,
franziu o cenho. Ele se sentia sufocado com aquela tamanha barriga dela. Uma
falta de ar que lhe alçava às alturas cinza da inquietude. Ela lhe notando o
jeito devolveu um olhar de ternura. Olhar daqueles que dizem por mil palavras.
No silêncio do caminho, apenas o som dos passos do jumentinho. Por sorte o andar
dele era macio. Se assim não fosse, como transportar uma grávida prestes à luz. O homem cansou de seguir. Cansou de esperar pelo extraordinário. Resolveu ajeitar-se no
local tão rústico. Seria apenas por aquela noite. Um bom abrigo, não se podia
negar, embora o olor ácido de capim seco. O temor máximo era que o
bebê viesse à luz àquela noite. Ele deveria se acautelar por ele e pela esposa,
pensou ajeitando atabalhoadamente os cabelos. Enfim ela disse: está tudo bem,
enquanto ajeitava seus panos limpos. Ele olhou para um lado, para outro.
Dissimulando garantiu que sim, que estava tudo bem. Ela parou com o que fazia e
disse olhe para mim. Ele olhou. Eu não estou perguntando. Estou afirmando: está tudo bem.
Ele sorriu. Um riso sem graça. Gostou do jeito firme dela. Saiu para buscar
água, encabulado, arrastando pés, pensativo. Um cordãozinho de água
escorregava-se numa barranca próxima. Ele podia ouvir o cantar da água, correndo por entre pedras. A esposa tão jovem e linda. Suspeitava que ela não
receava o incerto por inexperiência. Pela visão infantil de mundo. Sim, ele
deveria se acautelar por ele e por ela. Ao que chegou com a água deparou-se com
o pior. Não o pior, pior. Pior porque a esposa entrava em trabalho de parto.
Mas não se pode dizer o pior no sentindo de que algo ruim tenha acontecido. Foi
tudo muito doce e fácil. Ali o filho nasceu. Perfeito. Tudo tão diverso do que
ele supôs em seus medos. Ele olhou para a esposa, olhou para o filho. Entrou a
alternar o olhar entre os dois. O filho chorou macio, quase como cantasse. Um
choro flauteado. A esposa ofereceu o peito. O filho mamou. Logo o menino ficou
satisfeito e dormiu. A esposa também dormiu. Os dois tão belos. Ele quis por uma
mão neles, fazer um carinho. De repente recuou. Não soube bem, mas parece foi
tocado por algo. Como não devesse tocá-los. Ficou ali congelado por um tempo,
já sentindo na respiração o úmido da madrugada. Logo lhe chamou atenção certa
claridade. Olhou por um desvão na cobertura de sapê da entrada da gruta. No
pedaço de céu visível, uma estrela. Parecia estacionada ali em cima. Entrou
agora a alternar o olhar entre a estrela, a esposa e o filho. Em qualquer um
dos três, via luz; apenas luz. Era isso, pensou. O segredo da esposa era ver
apenas luz, por isso treva alguma lhe perturbava. Era como não existisse.
Começou a desconfiar que fosse ele o infantil, com seus mil medos e receios.
Desconfiou também que de repente algo mágico acontecia ali e ele não percebia
direito. Tirou-lhe dos devaneios a chegada de três senhores. Encontraram-no com
luz nos olhos, pelo reflexo da estrela no úmido pela emoção.
(Kirk
Costa)
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