Gostei da conversa das duas. Ao que passei já se
falavam,
Enquanto varriam. Uma dizia a outra que tivesse fé,
que
Tudo acabaria bem. No ano novo seria vida nova.
A que ouvia parecia importar-se com o conceito da
que falava,
E a conversa lhe era positiva. A que falava virou
de assunto,
Parece caçando espantar algum aborrecimento da
outra.
Quis saber como ficou a receita de panetone. A que
ouvia iluminou-se.
Disse que o neto gostou muito. Diante do que seriam
suas casas varriam
A calçada coberta de florezinhas amarelas das
árvores de uma das ruas de Santa Tereza.
Duas casas tão parecidas. Casas daquele tipo
antigo, com vô e vó,
Papelzinho da novena de Natal à porta.
Lembrei-me de tanta gente ali. Eram do tipo
vovozinhas, cabelos brancos.
Da rua chegou um senhor com cabelos repartidos ao
meio.
Grisalhos também. Deteve-se por um segundo
congelando o olhar
Numa Brasília branca estacionada um pouco adiante que
era um luxo.
Depois se descongelou. Abanou uma mão às duas. Elas
sorriram
Cordialmente. Feliz 2016, ele ainda disse. Feliz
2016 para todos nós,
Uma das duas respondeu. Decerto era marido da que
não respondeu, pensei.
Quase confirmação tive em seguida. O sujeito entrou
Numa das casas e foi logo seguido da que seria esposa,
que entrou
Ligeiro dizendo que o bolo de fubá já devia estar quase
queimando.
Ao que ela disse a derradeira palavra eu já não
mais a via,
Tamanha a pressa com que afundou a sua casa. Apenas
então dei pelo
Cheiro do bolo, cheiro de antigamente.
Decerto o cheiro do bolo há tempos já me Influenciava
ali
Na leitura do que eu via e sugeria preenchimento às
lacunas do
Que eu não sabia. E eu nem percebendo.
Nossa interpretação do presente é mesmo cheia de
passado
E geralmente nem damos conta. De repente dei pela que varria,
Agora sozinha, encarando-me desconfiada.
Fiquei sem graça. Abanei uma mão. Feliz 2016 para a
senhora, eu disse.
Feliz 2016, ele respondeu com má vontade. Ato contínuo
já entrando
Em sua casa fazendo ranger um portãozinho, vassoura
em punho.
Pelo histórico do que conhecia decerto
interpretou-me da pior maneira
Possível. Um malandro rondando o bairro. Ao que fui
Andando, pensei.
Que em 2016 o passado nos seja ouro, influenciando-nos
apenas positivamente.
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