sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Meu Nome


Não é brincadeira. Tem quem ache meu nome estranho. Mas recentemente vi que poderia ser mais estranho ainda. Achei um caderninho de nomes de mamãe, que escreveu de próprio punho. Um deles seria o nome do primeiro filho. No caso, euzinho. Vejam alguns:

Evândis, Abnézio, Ozalvino, Idalo, Odinarth, Delajoê, Ildegar, Abinarth, Siliôny, Abiclênigo, Ildacir, Novaril, Dervaldeth, Liciomar, Edilásio, Lealdeny, Vitenauer, Adevanei, Ossir, Libério, Jamel, Clarisneu, Creubio, Cresmir, Leogivildo, Benival, Niécio, Zenóbio, Osmir, Lucídio, Ovicídio, Aguinalter, Aldébaro, Sigueru, Pexival, Flander, Clorisval, Eziel, Alfio, Adalício, Valdefir, Florisval, Germaldo, Emining, Oldo, Deuzair, Ildewando, Gibênis, Sudeliny, Joanício, Grimoaldo, Aldário, Rainério, Zenilton, Eremildo, Dolarécio, Degoulas, Osmiro, Graclioni.  

sábado, 7 de dezembro de 2019

Encabulado

por estes tempos de presentes
sempre que entrego algo ao meu pai
embaraçado ele diz: para que isso,
não precisa, não lhe comprei nada

mas, pai, daquele vez em que
estive muito doente no hospital
o senhor ficou dias comigo
sem precisar comprou a
caminhonetinha branca

brincava comigo tardes afora
fazendo estradinhas em lençóis
depois desse presente, pai
o senhor não precisa de me
comprar mais nada

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

espeloteado

ia eu
espeloteado
corria, corria
descendo o
morrinho
da usina

tropecei
virei um pé
rolei grama
a baixo
blasfemei

a madrinha
viu da casa
dela. gritou:
 machucou-se
"fio"

eu disse: 
nããããããããão
dentes travados
menti, lógico

na volta
a dor me
impôs
caminhada
lenta
arrastando
uma perna

assim pude ver
a cascavel
na lateral do trilho
perto da
quaresmeira

posicionava-se
enrolada e 
pronta para 
o bote

senti um
amargor de
roçada de
carqueja
na boca

será que
virei um
pé para
escapar da
cascavel?

sábado, 16 de novembro de 2019

Dos Enganos da Mente

Vi algo conhecido.
... Na verdade,
Não totalmente
Conhecido, mas
Disso não fiz
Conta.

Preenchi o não
Conhecido com
O conhecido, e
Saí achando
Que tinha o
Pleno.

Eis o engano.
O que sabe,
Tampa o que
Não sabe. E mal
Desconfiamos.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

notícia alegre

é um fogo que vem 
com a força da semente
que eclode

momento de plenitude
elogio de mãe
arrepio

a gente se enche
de algo que pouco
conhece

é sangue que ferve
é mente que ferve
dilacera

já era tempo
já era tempo
gira um redemunho
dentro da gente

o coração quer
quer saltar
e o mundo tem
do dourado dos dias
dias de festa

pensamos por que
tivemos medo
pensamos por que
duvidamos

cantamos
cantamos
agradecemos

por um instante
o mundo parece fácil
e a vida justa
enfim respiramos

queremos que o momento
se congele. Mesmo que 
fogo e gelo não
se conversem

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Aposto


Nas noites frias dos
Derradeiros dias do meu avô
Eu gostava de vê-lo
"Quentando" fogo a taipa
Do fogão a lenha
Sentado no banquinho
Presente do irmão Aurélio
Ele parecia hipnotizado
Olhando as toucinhas vermelhas
De fogo dançando estraladas
Sobre a madeira seca

Eu não lhe falava nada
Achava que não tinha
Direito de tirá-lo
Daquela sintonia
Que o punha no melhor
Dos seus dias
Que ali lhe vinham
Mais doces e perfeitas
Do que efetivamente foram
Nos dias que aconteceram

Eu podia apostar que
Ali, mal se mexendo
Ele escutava galos,
Galinhas d’angola, saracuras
Canarinhos na alvorada
Bois e o carro cantando,
Cheio de milho
“Corre, Dito. Abre a
Porteira, menino”
O alarido das brincadeiras
Dos filhos menores
A esposa dizendo algo
Talvez que não quisesse
Ficar sozinha pelo receio
Das onças

Não raras vezes as lembranças 
Nos vêm mais doces
Do que verdadeiramente
Foram no momento vivido
Porque nos dias que aconteceram
Não vieram isoladas
Contaminadas pelas sombras 
Que usualmente redemunham
Na cabeça da gente

Meu avô mesmo, coitado
Viveu praticamente a vida toda
Com o peito abalado por um oco
Que o punha com raiva
Perdeu a mãe com quatro
O pai com seis
Cresceu de del em del
Criança não sabe guardar luto
A coisa pra ele cresceu em raiva
Ele não sabia que essa raiva
Não era raiva

O oco bem deveria ter
Sido iluminado pelo amor
Da vovó, dos filhos, dos netos
Mas não. O vovô foi vivendo, vivendo
Cutucado pela raiva que ele sempre
Pensava ser disso e daquilo (Não era)
Um espinho atravessado 
Que desbotava tudo que era
Coisa boa que ele vivia

No fundo, no fundo
Ele tinha medo de amar e
Ser abandonado outra vez
Aposto que ali, na taipa do fogão,
Não notando as panelas pretas
E o vapor subindo
Às vezes esfregando as mãos
Mas nem as sentindo ásperas
Pelo trabalho no milharal do quintal
Enfim ele era livre do espinho
E dos venenos que o oco
Normalmente lhe lançava aos
Borbotões, como lavas de vulcão

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Dias de Chuva


Desses dias chuvosos
eu gostava
o café quente parecia
mais gostoso
o fogão sempre aceso
atraía a gente
lá da varanda
eu olhava a serra
neblinada, bonita
o vento soprava, mansinho
as bananeiras dançavam
aquele ar ralo, úmido
enchendo a gente de vida
coçando o alto da cabeça do gato
eu gostava de ver os canarinhos
às beirados dos telhados
as andorinhas juntinhas
no fio de luz
os anuns encarangados
na paineira
uma sensação de limpeza
e o melhor desses dias
meu pai por perto
chegava da entrega do
leite com as notícias
do dia do bairro
e por ali ficava
até o almoço
especialmente
quente e fumegante
minha irmã com suas panelinhas
meu irmão com seus boizinhos
e eu com meu avoamento
ah, o sol parece que
morava dentro
da nossa casa nesses dias

sábado, 19 de outubro de 2019

gotas

Confesso minha
dificuldade com as palavras.
Até que tento me comunicar
por meio deles, pois,
é o que nos resta.
Mas o meu sentimento é uma
espécie de bando de
passarinhos azuis revoando
daquele jeito embolado, sabe
como uma dança no ar
elaborar uma frase é para mim
como por esses passarinhos em fila
que graça tem? Quão limitante é...
é quando as palavras vem pela fala,
então minha dificuldade é maior.
Reconheço que na minha incompetência
tem alguma coisa de preguiça
saber do que sinto, pelo que digo
e como olhar o carnaval
pelo buraco da fechadura
muito limitante, por mais
que se esforce
Mas não desisto de tudo
Senão passo por vazio
Assim, do sentimento inquieto
que enxameia abundante em mim
Externo gotas para você  

sábado, 5 de outubro de 2019

Não custa

em 1980 a novela que assistíamos era Marina
eu achava linda a Denise Dumont
e a abertura era tocante, com campos com capins dourados e cavalos livres tinha também aquela canção do Beto Guedes que eu achava meio triste mas trazia esperança, com o abrir das janelas do peito para o sol de primavera, num recomeço nesses momentos minha mãe ficava feliz tinha também que a canção falava em "já choramos muito" eu gostava do rosto iluminado dela, óbvio sempre assistíamos pela hora do jantar o azar foi que no derradeiro capitulo faltou energia elétrica em Cambuí era sexta-feira daquele já fim de ano tentando amainar a decepção dela sugeri brincarmos de "como acabaria a novela" ela topou. Falou um final. O óbvio aí falei: oh! mãe, e se a gente fizesse tudo diferente. Tipo, um final surpreendente aí começamos a pensar finais improváveis mas também interessantes no outro dia assistimos ao capítulo final que tradicionalmente repete no sábado por fim mamãe suspirou comprido disse, ah, gostei mais do nosso final 2 sorriu lindamente. Na vida acho que é isso às vezes é preciso de um pouco de criatividade de recontextualização, de "semear canções ao vento" de “abrir as janelas do peito”

sábado, 28 de setembro de 2019

esquisito

o canário fez um giro sobre a casa
pousou macio na conteira
a manhã era clara e fria
o Zé Gomes conversava
com o papai, no retiro
falavam não sei o que
do sr Antônio D'elisa
eu olhava, olhava o canário
tinha a cabeça vermelhinha
fui chegando, chegando
passei meio abaixado
pelo canteiro de roseiras
feito gato em caça
ouvia o pulso mavioso do
leite que meu pai ordenhava
estourando espumado no
fundo do balde
falavam algo positivo
do sr Antônio D'Elisa
o canário arrepiou peninhas
começou a cantar dourado
eu me endureci feito galho
olhos brilhantes, ouvidos abertos
o Zé Gomes disse-me
“o que tanto olha aí menino?”
eu segui num silêncio de galho
O Zé Gomes insistiu, firme
"é o canar..." eu mal começava falar
meio cochichado e o canário voou
repicou as asinhas como eu receava
"nada, não, seu Zé", completei
eita que moleque mais esquisito
disse o Zé Gomes. Meu pai sorriu
eu saí resmungando. Olhando para
o céu e para as bananeiras
Concordei com o Zé Gomes
Esquisito... Ele acertou em cheio

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Cascas


Ah! Que estou
Cansado, viu
É tanta ilusão

A tinta da mente
Vaza pelos olhos
E pinta o mundo

E a gente achando
Que o problema
É o mundo

Quero distância
Do que me faz
Pensar que preciso
Bem mais

Quero a paz
A natureza, o natural
Esconder-me em mim

Quem sabe o trigo
Do meu derradeiro
Pão até já foi 
Plantado

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Feio

feio
feio

os pais
também
são feios

se não
parece
tão feio
tem trapaça
do meio

se não
há cuidado
tá errado
é feio

feio
feio
mil vezes
feio

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

juízo

muitas bocas falam
nem todas devem ser
levadas a sério
e não por rebaixismos
sim pela convicção nossa
de que muito se fala
a falta de responsabilidade
sem se pensar direito
sem analisar a extensão
boca e ouvidos têm
que ter juízo
se a boca não tem
que os ouvidos tenham
senão será o fim
do mundo

domingo, 21 de julho de 2019

Sementes

Minha mãe quis saber por que eu gostava tanto de ir à casa da madrinha. Eu não sabia. Pensei bem. Gostava de ver a foto do tio Luiz com a tia Bernadete. Pareciam gentes das revistas, sempre felizes. Do galinho de louça de lado. Do jeito que o padrinho falava com a madrinha, tipo amor platônico. De como a madrinha cuidava do Lelinho. De notar a lindeza dos tijolos da casa sem reboco, olhava-os como fossem botões capazes de me transportar para outro mundo. De ver as brincadeiras do cachorro Jaú com o cavalinho Quito. Da visão desafogada do vale lá do alpendre. Dos canários fazendo folia na vargem da usina. Da pedra redonda na curva de onde se ouvia o corguinho cantando. “Não sei, mãe”. Enfim respondi. Na verdade eu não sabia bem porque gostava tanto (e até hoje não sei). Toda resposta me pareceu vaga. Sabia que lá me enchia de um sossego inexplicável. “A senhora, mãe, é grande e vai saber me ajudar a entender. Por que gosto tanto?”. Ainda lancei. Ela ficou pensativa. Surpresa por ter que responder a pergunta que ela mesma fez. “A liberdade que você tem lá, cada minuto, é como fossem sementes. Sementes de fantasia, revirando e crescendo aí na sua cabecinha avoada”. Ela disse depois de pensar um pouco. “Semente de fantasia”. Repeti mentalmente. Gostei.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Para Sempre

Na cozinha da minha mente tem um fogãozinho
Fogãozinho à lenha, daqueles de vermelhão, simplinho
Principalmente nas noites que tardo dormir
Gosto de ficar ali, avivo o fogo, abanco-me
Recordo velhas histórias e tomo café que
enche uma represa
Se está muito frio jogo nas minhas costas o cobertorzinho
Presente da vovó Aurora
Na madruga para amanhecer hoje
6 de julho de 2019
Estou com frio mas evitando a cozinha
É que tem uma tia minha lá
Ela é uma das chaves que desperta em mim
Boas emoções da infância
Naquele caminhão cheio de gente alegre
que vinha dos Campos. Lá estava ela
É a irmã mais velha que mamãe queria ser igual, lá pelos quinze
A tia está imóvel, na penumbra da cozinha, meio encurvadinha
um casaco vinho, abraçando-se. O fogão está apagado
Eu deveria falar com ela, mas estou sem jeito
O engraçado é que hoje a minha cozinha está parecida com a dela
Geralmente vou para minha cozinha para relaxar e dormir logo
Se falo com a tia agora, então aí que não durmo mesmo
O que será que minha tia quer comigo?
Decerto falar que no meu mundo ela jamais morre
Que viverá para sempre nas minhas lembranças
Não ficará sempre na cozinha, mas não estará longe
Continuará de não falar muito
Mas que diferença isso faz
se o principal é mesmo indizível
Então sua benção, tia
Vou ali buscar lenha e avivar esse fogo
Vou fazer um café para nós
Até mesmo porque já vejo mais gente chegando
Vai ser uma noite daquelas
Que o tempo acalme o que puder
Fica o perfume, para sempre

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Reforma Previdenciária define rompimento de vínculo automático com funcionário aposentado em empresa estatal


Reforma Previdenciária define rompimento de vínculo automático com funcionário aposentado ou que vier se aposentar.  Medida pode afetar quase 1 milhão de funcionários.

O Art. 37 da CF, no § 10 define que é vedada percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública. Isso diz respeito a funcionário público.

Na proposta de PEC06/19 (Reforma da previdência do Presidente Jair Bolsonaro) em discussão na Câmara dos deputados, acrescentou-se que é vedada percepção simultânea de proventos de aposentadoria de proventos de aposentadoria do regime de que trata o art. 201.


Ou seja, acrescentaram no § 10 aqueles empregados de Estatais contratados pelo regime CLT, como Correios, Petrobrás, BB, CEF, Cemig. Se forem aposentados ou vierem se aposentar não poderão mais receber proventos de aposentadoria e salário cumulativamente.


Lógico que com isso falavam em demissão forçada, mas o texto estava "estranho".

Ontem 02/07/19 o Relator da proposta na Comissão Especial da Câmara, o deputado Samuel Moreira, apresentou um texto substitutivo. Manteve intacto o § 10, ou seja, não acrescentou os celetistas, mas inseriu o § 14.

§ 14: a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.


Agora sim, definiram o que querem. Se o funcionário contratado pela CLT aposentar-se nessas empresas estatais, e usando tempo de serviço desse cargo, haverá o rompimento imediato e automático.


E olha que nem falam do resguarde de direitos como multa 40% do FGTS, dentre outros. Será um imbróglio jurídico (digo quanto ao acerto, porque quanto a demissão automática e imediata não haverá dúvidas).

Na defesa do Direito Adquirido ou da ideia de que dúvida, protege-se o mais fraco, haverá argumentação no sentido de que qualquer mudança não retroagirá para prejudicar os trabalhadores. Pensando assim, os aposentados antes da entrada da lei em vigor não poderiam ser desligados automaticamente. Tal, valeria apenas para os que vierem a se aposentar. 

Aguardemos.


Economia mista. Funcionário de estatal. CLT. Rescisão contratual. Rompimento de vínculo.  


sexta-feira, 7 de junho de 2019

TROCA DE POLTRONA

Eu fazia a viagem BH-São Paulo. Desceria em Pouso Alegre. A minha poltrona era de corredor, mais para o começo do ônibus. Na poltrona vizinha, porém do outro lado do corredor, na janela uma moça linda num vestido floral; mas quando digo linda, era linda mesmo. Chegou um rapaz, daquele jeito, olhando o número de poltrona. Fez cara de que achou. Enfiou a mochila no bagageiro logo acima. Pediu licença à moça. Assentou-se do lado dela, na poltrona do corredor. Começou a mexer num iphone enorme.

Deus que me perdoe as más primeiras impressões, mas ele tinha jeito daqueles que gostam de contar vantagem. Até duvidei que ali fosse mesmo a poltrona dele. Mas, vamos lá. A menina, muito educada, lia o livro Cidades de Papel. A frente dos dois havia um gordão. Daqueles que ocupam uma poltrona e meia. Não estou querendo esculachar não, mas era a verdade.

Logo chegou outra moça. Bonita também e toda de branco. Assentou-se com o gordo. Quando ainda se ajeitava olhou para trás e reconheceu a amiga que não via a tempo, a menina de vestido floral. Começaram a conversar. Logo a menina de branco pediu o rapaz do iphone: você não troca de lugar comigo, para eu ir com minha amiga? Ele, abrindo as aletas do nariz como cheirasse imundície, disse: não, não. Não posso. Temos que ficar na poltrona conforme consta na passagem. Em caso de acidente, pensa bem. As passagens interestaduais têm número e nome da gente. Eu pensei: e ele é besta de deixar a gatinha do vestido floral para ficar com o gordão?

Nisso, o gordão, muito gente boa, falou com a gatinha de vestido floral mal se virando, porque não conseguia. Pode deixar. Eu troco com você. O rapaz do iphone quis morrer. O gordão foi para o lado dele e ainda pegou janela. Eu até cobri cabeça com a blusa para rir. Não deu cinco minutos e o gordão já dormia. Um braço praticamente em cima do vizinho. O rapaz não suportou. Pegou sua mochilinha e sumiu para os fundos do ônibus. Esqueceu-se rapidinho daquilo de que não podia mudar de poltrona nas viagens interestaduais.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Antes

antes, quando vivíamos
longe do asfalto
nossa terra era mais nossa
nossas histórias mais nossas
havia um mundo mais nosso
depois, chegou muito do que já sobra por aí
o que nos tornou meio qualquer um
vivíamos aquela alegria boba
alegria das coisinhas de cada dia
isso nos unia
punha distância ao "cada um por si"

aí aquele senhor dirá esse trouxa
está dizendo que asfalto é ruim?
eu digo não. Estou falando de outra coisa
mas estou sem saco para explicar

domingo, 2 de junho de 2019

MOTIVOS


Eu ia pela rua Pouso Alegre, na altura do 2016. Numa lixeira, daquelas suspensas na calçada, vi uma caixa aberta, cheia de livros. Uns vinte, que eu podia apostar jamais foram lidos, embora fossem publicações já de vários anos. Pela condição deles, comecei a folheá-los. Logo chegou um catador. Pediu-me licença, para olhar o lixo também. Eu disse tudo bem. Gostei do jeito respeitoso dele.

O que você busca? Eu quis saber. Ele disse latinhas, plástico, papel. Meu nome é reciclagem, ele completou, sorrindo. Eu estou olhando livros, eu disse. Ah... ele disse sem entusiasmo. E você, gosta de ler? Eu perguntei. Ele disse: gosto é das figuras. Disse com má vontade. E de ler? eu insisti. Como falasse de uma comida que não aprecia, ele disse: não muito. A minha cabeça é meio avoada. Gira muito. Para ler precisa de ter cabeça quieta. “Cabeça quieta”, repeti mentalmente. Sorri. E você gostava de estudar? Eu quis saber. Ele respondeu: gostava não. Meus pais eram muito bravos. Queriam me forçar a estudar. Foi briga a vida inteira. Com 15 anos, fugi de casa. Isso já faz 15. Saí do Espírito Santo. Moro na rua. Nunca mais voltei. Fugi deles. Achei triste a história do rapaz. Resolvi não insistir. Quer uma sacola limpa para os seus livros? Disse o rapaz, uma voz de boa gente. Sim, eu disse. Ele arrumou, com boa vontade. Mas você sabe ler, né? eu quis saber, numa derradeira cartada. Sim, ele disse. Deixei um livro com ele. A Arte da Guerra. Tenta ler o livro, eu disse. Ele sorriu. E vê se volta para casa, nem que apenas para uma visita rápida ao seu povo, completei. Está mais fácil eu ler o livro, ele disse, sorrindo.

Segui minha caminhada, pensativo. Na Contorno com a Hermílio Alves há um rapaz que, praticamente mora ali. Menos de 30 anos. Pediu-me dinheiro. Eu estava sem. Disse que não tinha nada comigo. Eu já partia quando ocorreu-me algo. Virei-me para ele e perguntei o que achava dos livro. Ele disse: livros? adoro ler. Eu tenho um bocado aqui. Quer? Eu disse, mostrando a sacola. Os olhos dele brilharam. Lógico, ele disse. Falei pegue quantos quiser. Até todos, caso queira. Ele se assentou. Começou a olhar, escolher, folhear. Escolheu quase todos. Deixou apenas três, disse que estava com dó de mim. Eu disse que os livros eram para doação mesmo. Ele falou então você me doa todos e eu te presenteio com esses três. É presente. Eu sorri. Assim, sim, eu disse. Por que está na rua? Eu perguntei. Ele disse, meu pai morreu. Eu era pequeno. Logo também morreu a minha mãe. Fiquei só, com uns tios chatos. Fugi, não faço falta para eles.

Contei a história toda para uns amigos. O Melquisedec disse que até o "povo de rua" do meu bairro é chique. Eu sorri. Ele completou dizendo que “esse pessoal” tem muita história, a gente é que não houve. O Salgado disse: verdade, mas temos nossos motivos.

Motivos, motivos. O que não nos falta são motivos, seja para o que for. Uns não gostam de livros e fogem para fugir dos pais. Outros gostam de livros e fogem porque perdeu os pais. Motivos diferentes, mas a mesma vida de rua. Às vezes nos falta protagonismo. Motivos não faltam. Se a gente não reage. Não se impõe. Não busca favorecer a própria sorte. É jogado feito barquinho à deriva, pela vida, que nisso está metendo o ferrão na costela da gente, para que reajamos, mas a gente não reage.

Post scriptum:

Esses dois moradores de rua, encontrei numa das rotas que faço caminhada. Uma semana depois, caminhando no mesmo horário e itinerário, encontrei o tal que não gosta de ler e fugiu dos pais. Olá. E o livro? Perguntei. Ah, é você. Ele disse. Acreditada que estou lendo? Ele disse. No rosto, o mesmo riso bondoso do outro dia. Acredito, ué. Fico é feliz, eu disse. Acho que vai ser o primeiro que acabo, completou, parecendo orgulhoso. Orgulhoso também fiquei, segui meu rumo. Fiquei curioso quanto ao outro morador de rua. O que gosta de ler e fugiu por perder os pais, com endereço quase certo na Contorno com Hermílio Alves. Uns passos mais e, lá estava ele. Olá. E os livros? Eu disse festivamente. Ah, ele resmungou. Pareceu me reconhecer imediatamente. Estão ali. Guardadinhos, completou. Lendo algum? Eu quis saber. Ainda não. Estou sem tempo. Ele disse, um risinho amarelo de U no rosto. Também sorri. Eh, vida louca. O que não gosta de ler, estava lendo. O que gosta; estava sem tempo. Só rindo mesmo. Cada vez entendo menos.  

quinta-feira, 23 de maio de 2019

poema novo


apenas faço poemas
se me vem flores
passarinhos montanhas
galinhas e carros de boi

de assuntos a
dióxido de carbono
quero distância

desses fugazes encontros
sempre gruda algo
na gente
então os espanto

como jogasse pedra
nos gaviões do terreiro
de mamãe lá da
minha infância

domingo, 28 de abril de 2019

Esquecido

esqueci-me da palavra
daquela... gente
como é mesmo
quase consigo tateá-la
sentir dela sabor e cheiro
mas ela se esconde
se esconde numa ranhura
do meu eu desalumiado
tento puxá-la
tento que tento
mas minhas mãos
são de fumaça
a palavra cede um pouquinho
quase consigo vê-la
mas antes que se mostre toda
ela roda às fundura outra vez
qual é o nome mesmo, gente
acho que começa com "a"

sábado, 27 de abril de 2019

Colheita

o carro desce as morrarias
pras bandas da mina
o tio Zé atiça, atiça
Semblante, Teteio, grita
a argola na ponta do ferrão
badala, badala, rebrilha
o sol a pino, aceso lá em cima
o tio Zé grita, grita
não gosta de cutucar os bois
o cocão chora, chora apertado
o tio Zé se preocupa
pega o chifre com azeite
derrama, azeita, azeita
a carga é muita
na descida todo o peso
recai à junta de coice
o tio Zé pensa, pensa
tira a junta de pé de guia
Marcante e Malvino
confere os canzis
amarra a canga atrás do carro
no argolão abaixo da mesa
que esperteza
assim a carga se divide
entre os quatro pescoços
o carro desce desce geme
uma grande barriga para cima
barriga de espigas de milho
os fueiros envergados
pressionados pela esteira
o tio zé vai, vai feliz
olha a roça lá atrás
volta-se aos bois
os chifrões deles
parecem braços abertos
a espera de abraços
O tio zé se contenta
que colheita que colheita
olha para o céu, agradece