domingo, 21 de julho de 2019

Sementes

Minha mãe quis saber por que eu gostava tanto de ir à casa da madrinha. Eu não sabia. Pensei bem. Gostava de ver a foto do tio Luiz com a tia Bernadete. Pareciam gentes das revistas, sempre felizes. Do galinho de louça de lado. Do jeito que o padrinho falava com a madrinha, tipo amor platônico. De como a madrinha cuidava do Lelinho. De notar a lindeza dos tijolos da casa sem reboco, olhava-os como fossem botões capazes de me transportar para outro mundo. De ver as brincadeiras do cachorro Jaú com o cavalinho Quito. Da visão desafogada do vale lá do alpendre. Dos canários fazendo folia na vargem da usina. Da pedra redonda na curva de onde se ouvia o corguinho cantando. “Não sei, mãe”. Enfim respondi. Na verdade eu não sabia bem porque gostava tanto (e até hoje não sei). Toda resposta me pareceu vaga. Sabia que lá me enchia de um sossego inexplicável. “A senhora, mãe, é grande e vai saber me ajudar a entender. Por que gosto tanto?”. Ainda lancei. Ela ficou pensativa. Surpresa por ter que responder a pergunta que ela mesma fez. “A liberdade que você tem lá, cada minuto, é como fossem sementes. Sementes de fantasia, revirando e crescendo aí na sua cabecinha avoada”. Ela disse depois de pensar um pouco. “Semente de fantasia”. Repeti mentalmente. Gostei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário