quarta-feira, 22 de abril de 2020

pelo outro

ela sofria com
o sofrimento dele
nem sabia que
mentalmente fez
um pacto

arrancou parte
das vísceras de
seu corpo mental
e ofertou-lhe em
solidariedade

então vivia com
aquela dor aquele
oco sensível no peito
reflexo do não-físico
no físico

não era capaz
de entender que
sofrer pelo outro
não alivia a dor
de ninguém

insone


saio para caminhar,
vou da sala a cozinha
da cozinha ao quarto.
espio a rua, pela janela
nin... guém...
o vento brinca com meus cabelos
uma coruja pia longe, longe
os aviões não estão passando
decerto os bichos estranham

que dia é hoje mesmo?
de repente, nem faz diferença
se há previsibilidade,
vai bem a coisa.
assim como vamos,
não tem como a mente aquietar-se.
imagino como será ficar em casa
pra quem não tem casa.

ouvimos que antigamente foi
assim, assim, assado
pensava que antigamente fosse
outro mundo. Mais duro, difícil...
a lua joga uma luz desbotada no
chão do quarto
difícil aceitar, mas vejo que o
antigamente é agora

conclusões sem termo
remoinhos mentais
aperto os dedos, espirro
mesmo numa hora dessas, de loooonge,
alguém grita: êêêêêêpa!
que dias mais bestas. Nem podemos mais
espirrar sossegados

a tv não traz notícia que esperamos
tem uma angústia que estou
querendo descrever, mas ela  não quer sair
afundada no mais remoto eu
acho que vou fazer um café
será muito tarde? será muito cedo?
o diacho é que nem fumar, fumo

a certeza que tenho é que no final
o amor vence. isso porque o "não-amor"
vive de armadilhas que por fim ele mesmo cai
melhor me acalmar, respirar
logo aquele perfume de sol já vem
e então saberei que a noite
já vai se recolhendo
quem sabe não venha a notícia

quarta-feira, 15 de abril de 2020

palavras

se preciso
externar o
que sinto
enfileiro
palavras
de um jeito

crianças
rebeldes
em fila
de escola

não sinto
palavras
sinto é
sentimentos

palavras
são arremedo
são bonecos
são fantoches

na palavra
cabe muito
na palavra
cabe pouco

a palavra
é água, fogo...
é jogo

cuidado para
não encontrar
na palavra alheia
aquela coisa feia
que se esconde
em você

domingo, 12 de abril de 2020

Passagem

Era noite. Tudo parecia estranho.
As árvores não se mexiam minimamente e
o pio dos pássaros noturnos parecia triste.
Longe, cães ladravam como um
monstro rondasse a região.

Existia certeza, sim; mas também
medo. Não dúvida. Medo...
Um aperto no peito. Acredite.
Ele era humano. Sabia o que viria.
Quando sabemos o que vem,
e que o que vem é dor, sofremos
desde já.

A noite passaria em Sua vida...
No Egito o sangue do cordeiro sobre
a porta livrou o povo do anjo da morte.
Ele teria que enfrentar a noite.
Ele teria que enfrentar a "praga".
Ele seria o sangue sobre a porta.

Durante o derramamento de sangue, o amor
tomou conta Dele. Um amor que era tanto
que Ele sofria menos do que na véspera,
no instante de ansiedade sobre
como seria aquele momento.

Ele amava tanto as pessoas... Até seus
inimigos. Se eram inimigos, era por
não entenderem direito, na pequeneza humana.
Um dia entenderiam, confortava-se.

Nos instantes finais, Ele não tinha dúvida.
Tudo seguia conforme tinha que ser.
"Perdoa-vos, Senhor", Ele disse.
Com expressão suave de sorriso no rosto,
Ele apagou-se, num perder o fôlego.

No primeiro dia da semana, a notícia:
"roubaram o corpo", "roubaram o corpo".
Era ainda madrugada quando gritavam
aqueles que gostam de distribuir
notícias ruins, num falso desespero,
numa falsa preocupação

De fato, Ele não estava mais lá.
Depois do apagar-se, Ele abriu os olhos
num outro mundo. Um mundo de luz.
O êxtase que experimentou nem tem
como dizer. E já não era mais noite,
nem mesmo madrugada;
mas sim UM NOVO DIA.

sábado, 11 de abril de 2020

Mister Scott

vi aquele senhor, mister Scott
filmava um hospital vazio
falava do povo enganado
que a mídia comunista quer o pior
essa gente sem Deus e sem amor

parece que mister Scott não
entende de curva exponencial
que se num lago, vitórias-régias
se multiplicam por dia
na razão de 2 por 1

se o lago se encher ao 30º dia
no 29º apenas a metade
estará tomada delas, ou seja
o que tardou 29 dias para acontecer
acontecerá em apenas um

mal sabia senhor Scott que dias
depois, sua mãe acordaria de madruga
com dificuldades de respiração
pulmão como cheio de líquido
sensação de afogamento

levá-la-iam ao hospital. UTI
tubo na garganta. desconforto
mas a mãe respiraria aliviada

dias depois, retirariam os tubos
a mãe gemeria, ainda preciso da máquina
ainda preciso... preciso... filho... filho

mister Scott esbravejaria, choraria
ninguém teria coragem de contar para
a idosa que a máquina seria usada para
salvar uns rapaz de vinte