sábado, 30 de abril de 2016

Futil



Encantada
Com sua beleza
Engoliu o espelho
Passou mal
Vomitou espinhos
Que eram sementes
De tempestades
Nublou, nublou
A nuvem escura
Nunca mais lhe
Abandonou

Conversa dos meus avós:



Conversa dos meus avós:

— É o Demétrio, heim. Tá demorando morrer.
— Pois é. Homem tão bom.
— Mas tá lá na cama, sofrendo. Como explica isso?
—O ruim não precisa sofrer. Já vai para o inferno mesmo. Tem a eternidade para sofrer. O bom, que vai para o céu, sofre um pouco para se purificar. Um pecadinho todo mundo tem.

Não quero



Ele sempre teve cachorro. Bem sabia que duravam 10, 12 anos. Morrendo seu cachorro Corisco, bem no que ele completava 70, fez as contas. Se arrumasse outro cachorro, quando o cachorro morresse, dali a 10,12 anos, estaria na hora dele ir junto. Se visse o cachorrinho ficando velho, bem saberia que também sua hora estava chegando. Conclusão. Não queria mais cachorro. Bateu os pés. Os filhos não entenderam. Mas pai, como pode sítio sem cachorro? Ele insistiu. Não e não. Não é possível que não vão me respeitar. Ninguém entendeu aquela intransigência
.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Tutti-Frutti


No Google pesquisei "futebol cards". Aquelas figurinhas de papelão que traziam a figura do jogador na frente e ficha técnica atrás. Deixavam para trás as tampinhas com o rosto do jogador que a Coca-Cola lançou em 1978. Tão pequenininhas. As figuras agora tinham o tamanho do meu palmo. Com que saudade olhei as de Zico, Sócrates, Falcão, Rondinelli, Batista. Quando dei por mim, minha boca saliva e minhas narinas juro sentiam o cheiro das barrinhas de chiclete que vinham com as figurinhas. Juro. Até me lembrei da menininha de óculos que eu achava tão bonitinha, que vivia com hálito de tutti-frutti, justamente por também colecionar as figurinhas. Fizermos muitas trocas. Teve atá figurinha trocada por beijo.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

O que vemos


O fundo de um comportamento
É fundo muito escuro
Muitos além das primaveras
De flores e passarinhos
Não é fácil chegar lá
Há cães, caos, cercas, muros
Tudo o que vemos
Está longe desse fundo
O fútil, o medíocre, o ralo
É tudo que vemos, tudo

sábado, 9 de abril de 2016

Ché


Eu estava no quintal da casa de minha mãe em Consolação, plantando uma laranjeira e o meu filho mais novo veio: “Pai, o que que é ché.” Surpreso eu disse: “De onde tirou isso.” Ele observou “não, é que aqui em Consolação as pessoas falam muito isso”. “Filho, Ché é ché, ué”. Eu disse sorrindo, daquele jeito ganhando tempo. Pensei um pouco. “Acho que é uma zombaria; mas pensando bem, não sei bem.”

Então dei por mim que ali falam muito esse tal “ché” mesmo. Não me recordo se nas cidades vizinhas falam isso também. “Ché, ele nem veio ontem.” “Ché, choveu nada.” “Ché, pagou uma pinoia”. “Ché, de jeito nenhum.”

Depois fui com meu filho olhar no dicionário, na internet.  Pelo Dicionario Formal. ché
(espanhol platense che) interjeição 1. [Brasil, Informal] Expressão usada para indicar surpresa, dúvida ou zombaria. 2. [Brasil, Informal] Expressão usada para chamar alguém ou chamar a atenção. Pelo Dicionario INFormal. Ché. De jeito nenhum; impossível. (expressão muito utilizada no Vale do Ribeira, localizado em SP e PR).

“Vale do Ribeira?” Meu filho disse com espanto. Fomos nós consultar de novo o Google. Pela Wikipédia o Vale do Ribeira é uma região localizada no sul do estado de São Paulo e no leste do estado do Paraná, no Brasil. Recebe esse nome em função da bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape.

Pareceu não ter nada a ver. Olhamos no Google Maps. Do Sul de Minas ali onde estávamos até a divisa entre os Estados de São Paulo ao Paraná dá 300 km em linha reta. Ou seja, parece que ali Consolação esteve sujeito a mesma influência colonizadora dos que trouxeram o ché de Portugal.

Postei no facebook no grupo “Consolação em Fotos”. A Claudia Nogueira disse que em Paraisópolis a família dela fala muito “che". A Cíntia Campos disse que na Estiva também muito o “ché”.

A noite até me animei e fiz um poeminha.


Peixe-frito. Peixe-frito.
Peixe-frito. Peixe-frito.

Lá vem ele de novo
Esse passarinho agourento
Nos anunciando coisa
Ruim pra qualquer momento

Mãe, vou pescar
Alguns lambarizinhos.
Esqueça o passarinho.
Aí para o almoço teremos

Peixe-frito. Peixe-frito.
Peixe-frito. Peixe-frito.

(A beira do ribeirão)

Ô moleque, sabe o
Senhor Pê.
Foi pisoteado por bois.
Ché, está frito, ele.

Foi agorinha.
Está mesmo muito mal.
Foi quase morto
Para o hospital.

(Pensei então)

Pê, ché; frito.
Consultei a gravação
Na minha mente.
Lá a ave repetia incessante.

Peixe-frito. Peixe-frito.
Peixe-frito. Peixe-frito.