quinta-feira, 30 de junho de 2016

Luzia

Chegamos já era noite
Os homens em volta
Da fogueira
Semblantes sérios
O fogo tremendo
O Isaias falava baixo
Foi coração
Foi coração
O Dito balançava a cabeça
Desolado
Crianças também havia
Lógico
Com quem ficariam
Logo nos juntamos
Eu tinha uns seis
Começamos a correr
Clarão o do fogo
Clarão o da lua
Ali não tinha hora
Não tinha mãe
Mandando ir pra cama
Era noite sem fim
Brincar, brincar e brincar
Perseguimos gatos
Perseguimos cães
Incomodamos os cavalos
Fugimos dos morcegos
Brincamos de nos perseguir
A nós mesmos
Quando as pernas
Já não obedeciam mais
Apareceram com um panelão
De frango misturado a macarrão
Comi, comi e comi
Enfim caiu o sono
Colocaram-me numa cama
Onde já vários outros
Meninos dormiam
Com caras felizes
A janela de madeira
Do quarto, entreaberta
Olhei para o horizonte
Já alaranjado, achei lindo
Foi a primeira vez que
Vi o céu assim
Antes de amanhecer
A casa era da Luzia
Do Tião Cirino
Coitada da Luzia
Havia morrido
Era seu velório
Vestia uma mortalha
De manga longa
Azul clarinho da
Cor do céu
Que minha mãe fez
Acho que ela
Não se importou
De como os meninos
Se divertiram
Naquela noite de aventuras
Pois ali sonhei com ela, Luzia
Ela estava viva
E sorria

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Bolinha

Na casa da minha
Primeira infância
As janelas
Eram de madeira
E na do meu quarto
Por uma pequena fresta
As manhazinhas
Infiltrava-se um sol menino
Indo parar à parede
Uma bolinha arregala
Brilhante
Que ia descendo
Descendo
Brincando comigo
Provocando-me
Uma fechadinha de nada
De olhos e ela já descia
Mais de metro
Quanto mais baixa
Mais próxima de mim
E mais tarde seria
Aviso de que eu
Perdia tempo na cama
Devendo levantar-me
O quanto antes
Pois o pai da bolinha
Um laranjão de fogo
Alteado no céu
Do pomar
Gostaria de me ver
Bem como a todos
Os meninos
Lá fora
Brincando
Feliz
Iluminado


sexta-feira, 24 de junho de 2016

SE RINDO

Vi um menininho
Sorrindo
Sorrindo
Sorrindo
À toa
Daquele jeito
De quase perder
O folego
Vi que meu avo
Lazo Doca
Se parecia
Com um menininho
Gordinho
Baixinho
Sem dentes na boca
Se rindo
Se rindo
Se rindo
(E assim que ele dizia)
De chacoalhar
Os ombros
À toa


segunda-feira, 20 de junho de 2016

PÁ PÁ PÁ

A Zélia do Grego
Batendo abobrinha
Pá pá pá
O Grego começa
A falar algo com ela
Ele não gosta
Irrita-se
Pá pá pá
Os fiapos de abóbora
Começam a cair
Fora do arco
Da bacia
Uns filhos dela
Começam a rir
O Grego segue falando
A Zélia se irritando
Pá pá pá
Os fiapos da abobrinha
Cada vez mais perdidos
E os filhos rindo
De um jeito barulhento
Ela ralha com eles
Pá pá pá
Quanto mais brava
Ela fica
Mais forte ela bate
E mais fiapos de abobrinha
Caem fora da bacia
E mais a molecada ri
E mais brava ela fica
Mas ela segue
Batendo abobrinha
Pá pá pá


quarta-feira, 15 de junho de 2016

DA VEZ QUE NEVOU LÁ NA ROÇA

O meu pai saiu
Para buscar
A vaca Conquista
Voltou sem encontrá-la
Desistiu logo
Estava encarangado
Mãos e pés congelados
Acendeu o fogo
No fogão a lenha
Com garras de pinheiro
Foi para a taipa
Sentado no banquinho
Que trouxe do seu tempo
De criança
Tomou café quente
Falo da vez que
Nevou lá na roça
Eu tinha uns dois anos
Diz mamãe que eu
Só chorava e chorava
Ela espiou lá fora
Paininhas voavam
E Revoavam
As plantas pareciam
Cafezal em flores
No limoeiro os anuns
Amontoavam-se jururus
Ela me enrolou no cobertor
De lã presente da
Vovó Aurora
Enrolou-me até a cabeça
Como fosse toca ninja
Daquele jeito
Um buraquinho apenas
Para olhos e nariz
Fui para o colo
Do papai
Um calor vivo e brilhante
A lenha estalando
Às vezes saltavam faíscas
Como fossem pirilampos
Minha mãe ficou
Surpresa de como
Fiquei quieto
De vez em quando
Ela olhava no buraquinho
Para ver se estava
Tudo bem comigo
Eu tão quietinho
Apenas piscava
Meus olhinhos pareciam
Duas borboletinhas 
Batendo asas