Ano que vem

lá vai papai assovia assovia anda manso

sobre um ombro a enxadinha bem encabada

a brisa lhe brinca com os cabelos sobre as orelhas

e a manhã lhe brilha a pele queimada

ano que vem vai melhorar

ano que vem vai melhorar

sem atinar ele vai repetindo nas ideias

sorri do cachorro fugindo do boi

ajeita o chapeuzinho de palha

seus passos vão lentos porque já viu

que ligeireza não influi

assunta as montanhas mais distantes

pros lados de Paraisópolis

os pássaros-pretos de ardem em cantigas

pensa que talvez devesse se mudar

mas logo desiste e volta para a terra

que pertenceu aos seus pais e avós

Deu no Zé Béttio ontem que a chuva

logo vem ele pensa pensa

ano que vem vai melhorar

ano que vem vai melhorar

segue pensando pensando

no trilho engolido de capim-gordura

as pontas verdes-arroxeadas vão lhe

benzendo os tornozelos

Eu Sou

um dia desses
ao despertar

(nem sei se posso
nomear isso de
despertar)

por um instante
um instantezinho de nada
um triscar de segundo
eu não soube quem sou
e nem onde estava
 
digo pequeno instante
para a nossa mente
mas lá onde eu estava
pareceu bem mais
 
um mundo de luz
e regozijo onde a voz
não tem sentido
por que as palavras
foram substituídas
por sentimentos

 
depois tudo me veio
como numa enchente
de velhas coisas novas
 
pensando bem
naquele instantezinho
não é que eu não
soube quem sou
 
na verdade
desconectei-me
do meu eu terreno
do ego
 
naquele asterisco senti
quem realmente sou
um eu espiritual
terno e eterno
 
e isso que você é
e é isso que também
Eu Sou

O ORVALHO

 
Do orvalho sempre gostei

porque trabalha a noite
dessedenta os capins e os
pequenos bichinhos sem o
menor alarde
e olha que sua maior virtude
ainda é outra
que venha ser a frequência
todas as noites lá está ele
pousando sem barulho
a chuva é importante, lógico
mas vem barulhenta
vem só às vezes
às vezes pouca
outras muita
o orvalho sim
colado no verde
como pedra preciosa
é aquele quase invisível
guardado na gaveta
de tantas outras coisas
que merecem nossa atenção