sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

DO OUTRO LADO


Tem muita gente
Do lado errado do rio
Ficam querendo usar
A gente como ponte
Se negamos
Ficam com raiva
Como fôssemos nós
O problema

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Capivari

Toda vez que passava pela ponte
Sentia o rio querendo falar comigo
Esses dias parei o veículo
Fui escutar o rio
Ele pareceu confuso engasgado
Achei que queria saber
Por que eu estava tão sumido
Que já não dava tanto peixe
Mas mesmo assim me convidava
Se eu recordava da vez
Que peguei aquele bagrão
Como não, respondi em alta voz
Supus que o rio chorou
Aproximei-me mais dele
Pousei uma mão em suas águas
Como as acarinhasse
Então escutei o que se escuta
Somente se bem perto
O rio cantou chuuorrrgruooaaah
Com um dedo escrevi meu nome nele
Como lhe cortasse as águas
Como fizesse uma tatuagem
Um pacto de amizade


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

TEMPO DE FLORADA

Lá em Botelhos
Em 1951
Onde havia
Uma antiga casa
De várias portas
E uma barbearia
Pelo tempo em que
Os pessegueiros
Dão flores
Concluiu-se a elevação
De uma casa nova
Do senhor Tonico
Avenida principal
Número 131

Ele nem conheci
(Dizem que era
A serviço da alegria)
Conheci a esposa
Dona Leontina
E os nove filhos
Cinco meninos
O resto meninas

(Criados abaixo
De disciplina rígida
Que fazia jorrar
Respeito e amor)

(Quando saíam em visita
A mãe já dizia aos meninos
Comam só um do oferecido
Senão levam beliscos
E já adiantava uns nisso
Ninguém reclamava)

Tia Alice, nunca vi  
Alguém mais franco
Impulsos redemunhados
De quem planta flores
Nos jardins
De quantos pode
(Contudo é melhor 
Que não lhe atrapalhem
O cochilo da tarde)

O Tio Zé não consegue
Contar a piada direito
Ri ri ri... Rio também
Porque já conheço o fim
Das outras vezes
Que contou a mesma
Piada

(A esposa dele
A Tia Maria Alice
Faz caminhada na roça
Com porrete às mãos
Para o caso de
Aparecer onça)

Tia Antonieta deve
Ter sido Coronela
Em outra vida
Conduz tudo
Com força de Leoa
Mas jeito de algodão
Inventa agrada
Torna sua casa
Hora de recreio

É vizinha
Da tia Tida
Costureira
De mão cheia
Que dizem tem
Ímpetos afogueados
Mas onde se ouviu
Dizer que em
Rosa não há
Ferrões

O Tio Totó
(De espírito cigano)
Já vendeu livros,
Camisas, sorvetes,
Arroz-doce
E sonhos

E o Tio Ademar
É filho do vento
Lá vem
Já foi

O Tio Rovilson
Quando criança
Queria festa
De aniversário
Nem que fosse
Com biscoitão
E suspiro
Não houve a festa
Então fica
Caçando festas
E bailes a
Vida toda

(A Esposa Ana Maria
Até se emociona
Tão acolhida
Se sente nessa
Família da qual
Também eu
Sou agregado)

A Eunice tem 
Cabeça cheia
De flores borboletas
Barcos e navios
Desconhece muros
Não leva flores
Nos cabelos
Porque não gosta
De flores murchas
(Jura que depois
Do natal diminuem
Os mosquitos)

Conversar com o
Tio Andrelino
É jogar pedra
À passarinhada
Cinza que sempre-sempre
Ronda a gente
(Morre de amores
E consideração
Pela Esposa Nilda)

Hoje apenas a
Tia Alice mora
Ao casarão elevado
Ao número 131
Mas com frequência
Todos se ajuntam ali
(Canta o mensageiro dos ventos)
Na gostosa na sensação
De que o tempo não passou
(Como fosse sempre
Tempo da florada
De pessegueiro)

sábado, 14 de janeiro de 2017

Esperança

Esperança
Por onde anda
Quero vê-la nos olhos do povo
Do pobre e do rico
Quero seu cheiro
Seu gosto
Não vê-la apenas num túmulo
No dicionário
Próximo do verbo esperar
Não quero esperar
Venha agora  
Faça janela em meu peito
No peito do povo
Permita que a luz da manhã
Nos entre de novo

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Crosta

Sonhei com meu filho
Pequeno novamente
Refrescou-se
A minha mente
Como gosto dele

Ele sem camisa
Fazia frio
Abracei-o como
Querendo dar-lhe
O mundo
Dar lhe tudo

Mas eu não
Tenho o mundo
E ele cresceu
Vi que até o
Nosso amor
Adultereceu

Saudade de quando
Ele era pequeno
Eu lhe dava carrinhos
Ele me devolvia beijos
E eu lhe dava beijos
Ele me devolvia
Carinhos

Há muito sei que
Os sonhos servem
Para lembrarmos
De como era
O tempo às vezes
Põe cr(osta)
No g(osta)r

Gostei que
Sonhei com ele
Pequeno novamente
Refrescou-se
A minha mente
Como gosto dele

sábado, 7 de janeiro de 2017

COM SOL (AÇÃO)

I

Ergo uma tampa. Pronto. Tudo lá. Sou o menino das primeiras lembranças outra vez. Está repleto o chão das minhas mais ingênuas recordações. Algumas assento aqui. Ficou parecendo um livrinho; mas não. Ninguém escreve um livro apenas num pedaço de tarde escutando programas antigos do Zé Bettio.

II

Eu vejo o mundo
Pela janela
Sou doentio
Mamãe é que diz
Me segura
Como pode

A Titininha fala
Que fico doente à toa
Por falta de sol
(Concordo com ela)

III

Em teu nome
Há “com” e também “ação”
Mas é o teu “sol” que me joga
Numa noutra dimensão

IV
                                                                 
Medo eu tenho
Daquelas pereiras
Pros lados
Das terras do
Antônio Rocha

Quando está
Para chover
Chiam feio

Ficam num
Caminho antigo
Onde dizem alguém
Matou alguém

Tem montinho
De pedras, flores
E até cruz

Medo do vento
Perturbar a alma
Do morto
E ele vir me perturbar

V

Fico ressabiado com
A noite da roça
(Por uma frestinha
Espio lá fora
Como olhasse
Algo proibido)
Um preto que
Engole tudo
Mundo hostil
Onde até o vivo
Parece morto
Um silêncio de doer
Os ouvidos
(Silêncio dos barulhos
Do dia)
Não posso dizer
Que gosto
Desse céu
De tantos olhinhos
Sondando a gente
Uiva o Rex
(Parece que ouço
O grunhido
Daquele porco
Morto outro dia)
(As marteladas 
Que ouço 
Dizem ser 
Chafurdo de rãs)
Num súbito
Recolho a cabeça
Bato a janela
Giro a tramela
(Olho para aquela
Nossa Senhorinha
Que brilha
No escuro
Me acalmo)
Melhor não exceder
Meu mundo


VI

Quando os primos
Passam em comboio
Munidos de pedras
E estilingues
Eu morro de inveja

Que vontade de
Afundar com eles
Aos mistérios
Das matas

VII

Nos cadernos
De desenhos
Contorno mundos
Fabulosos
E aí me aventuro

VIII

Desenhei
Uma vaca morta
Sendo devorada
Por urubus
Minha mãe
Assustou-se

Acha que não
É desenho
Para alguém
De cinco anos

(Ela não percebeu que
Fiz a alma da vaca
Acima das nuvens)

IX

Ah, que vontade
De sapatear ao barro mole
De molhar-me a chuva fina
Minha mãe não deixa

Por que os filhos
Da Titininha podem

X

A enxada raspando o
Solo faz recordar mamãe
Raspando rapadura
Chego a salivar

XI

Chuva do lado
Do Tiorfo vem
Melhor eu entrar

XII

Lá vem meu pai
Meu super-herói
Com aquela
Capa plástica
Por causa da chuva

Benção pai
“Bençoe”

XIII

O Tio Otavio
Passou aqui ontem
Fizemos uns
Aviõezinhos
Um voou voou
Voou para lá
Da casa
Da madrinha
Ela gritou viva
Eu bati palmas

XIV

O milho seduz
A enxada
Que sem poder
Tocá-lo
Arranha a terra
Em volta

Gosto do cheiro
De chão revirado

XV

O melhor cheiro
De comida que
Já senti
Vem dos embornais
Dos meus tios

XVI

Miro o Pico da Paz
(Penso numa montanha
Grávida)
Estico o dedo
Finjo pegá-lo
Um dia vou lá
Vou, juro

O custoso
Além da subida
Será enganar mamãe

XVII

Nos brejos
Sapos rãs
Chafurdam
O que será dizem
Será que a noite
Para eles é dia

XVIII

Pescando lambari
No Ribeirão do
Tio Valdomiro
Minhoca no
Anzol dá nojo
Mas lambari
Frito é tão bom

XIX

Tentei fazer visgos
Pegar periquitos
Não deu muito certo
Nem me importei
Gostei de passar
A tarde na vargem
Do arrozal recém-colhido
Fazendo amizade
Com os passarinhos

Arrulharam rolinhas
Avoaram passos-pretos
Bicaram sanhaços
Bico de veludo
Amareleceram canarinhos
(Um dia ainda vejo
O sanhaço mãe-do-sol)

Tenho certeza de que
No paraíso há
Muitos passarinhos

XX

Nunca atirei pedra
Em passarinho
Para matar

Da vez que acertei
Sem querer
Quem quase
Morreu fui eu

XXI

O Zé Porfírio é engraçado
Chegou mancando, mancando
Nem quis falar de política
Veio pegar pau-amargo
Perto do bambuzeiro
Do Tio Dutra

É mijacão, disse mamãe
Quê? Eu disse
Ele manca por causa
De um tumor
Na sola de um pé        
Por haver pisado
Descalço xixi de cavalo

Eu ri. Então devia
Ser mijacavalo
E não mijacão
Mamãe também se riu

(Gosto quando ela sorri)

XXII

Depois da Ave
Maria da noite
As almas penadas
São soltas
Saem borboletas
Aparecem bruxas
Sorte a minha
Ter a proteção de
Uma casa

XXIII

De repente uma notícia
Minha mãe grita
A madrinha Lázara
Que grita a tia Elza
Que grita a Elenice
E a Titininha
Da Titininha a coisa
Salta para os Tiorfo
Em menos de hora
O bairro todo sabe
Que haverá missa
No domingo

XXIV

O Rex é um bom
Cachorro
Embora meio quietão
Olha-me com
Uns olhos de gente
Sem ninguém
Por isso gosto
De abraçá-lo

XXV

Fui buscar abobrinhas na roça
Meu irmãozinho foi comigo
Fomos surpreendidos
Por uma chuva daquelas
Peguei um pedaço de lona velha
Ficamos abaixados debaixo
Gostei de ser o mais velho
O protetor
As gotas entraram a golpear
Forte nossas costas
Fiquei assustado
Meu irmão olhou-me arregalado
Procurei olhá-lo tranquilo
Falei está tudo bem
Será divertido
Ele começou a se rir
Disse chuva chela gotoso

XXVI

Peixe-frito
Peixe-frito
Coitado do
Passarinho
Não pode gemer
Seu canto que
Mamãe já se agita
Diz vai acontecer
Coisa ruim

Bem que o pai
Fala que ela
Está ouvindo
Muito Gil Gomes

XXII

Chuva de cordão
Fico olhando
Olhando
Parece macia
Lembra aquele
Meu pijama
De flanela
(O listrado)
É o que mais gosto

XXIII

Resolvi ajudar
O pessoal do
Mutirão
A plantar milho

Dois grãos para lá
Dois para cá
Passo um pé
Tampo a cova

Cansei
À noite, na cama
Enfim o descanso
Mas não

Mesmo com
Olhos fechados
Segui naquilo
De dois grãos para lá
Dois para cá
Passo um pé
Tampo a cova

A repetição
Acabou gravada
Nas costas
Dos olhos
                                                            
XXIX

Que esquisito
(De longe vejo)
O padrinho
Golpeia machado
No angico
Mas o barulho
Só depois
De um tempo

É um negócio
Que não combina
Como se a boca
Se movesse
Não se ajustando
Ao dito

XXX

A gordura crepita
As bolinhas caem
Gotas amarelas
Meteóricas de início
Do mundo
Sobe a fumaça
Alastra o cheiro

Como gosto quando
Mamãe faz
Bolinho de chuva

XXXI

O sabiá
O curiango
O mesmo galho
De laranjeira
O tempo é outro
Um é pio
De claridade
Outro
Nem sei
De assombração
Acho

XXXII

A diante de mim um tiziu
Estou bem próximo dele
Lentamente busco uma pedra
Ajeito-a à malha
Tenciono a borracha
O tiziu está bem na reta
Do V do gancho
Capricho um pouco mais
O tiziu ainda lá
Limpo a garganta, repito
A borracha ainda tensa
O tiziu salta e volta
Ao mesmo ponto
Na ponta do moirão
Ajeito ainda mais, suspiro
Alivio a borracha
Solto a pedra ao chão
Bato palmas, irritado
Não vou arriscar matar
Uma ave que para cantar
Salta e volta e nisso no ar faz
Desenho de coração

XXXIII

A jabuticabeira
Céu estrelado
Estrala no céu
Céu da boca
Bolha rocha
Branco sabor
Oh, Que trem
Mais bão pra
Mais de metro

XXXIV

O vô gosta de
Contar história
De assombração
À taipa do fogão
Voa, voa a
Minha imaginação
Que delícia
O medo que sinto

XXXV

O jardinzinho
De mamãe
Caminhos geométricos
Pétalas, cores
Cada uma faz
Lembrar alguém
De cada lugar vem
Uma muda diferente
Vê uma flor
Lembra-se da
Vovó Aurora
Vê outra
Lembra-se da
Tia Zilda

Intriga-me aquela
Florzinha rosa
Que nasceu sem
Ninguém plantar
(Um perfume
Tão marcante)

Seria peraltice
Dos anjos?

XXXVI

O gavião bateu
Outra vez
Levou três
O pai disse
Que vai
Pegar a
Cartucheira
Do Lazo do Cândico
Acho bom
Quem sabe
Não mate
Aquela onça
Da qual o tio Lauro
Fala tanto       

XXXVII

Quando sonho
Que estou voando
Gosto
Agora, que
Estou pelado
Não gosto
Sempre acordo
Muito envergonhado

XXXVIII

O gatinho na cama
Uma bola de pelos
Que preguiça
Mamãe vem brava
(Sobrancelhas de
Gavião em mergulho)
Eu intervenho
O, mãe
Deixa o “nhão”
Faço nele
No gato
(As sobrancelhas
Mudam para voo
Da pomba da paz)                                                      
                                                                                                            
XXXIX
                                              
Assovio
Quero o Rex
Vou levar
Almoço ao papai
Para lá do Afonso Tiorfo
Terei que passar
Perto da matinha
Que o Tio Lauro diz
Haver corpo-seco
Onde está
Esse cão gente
Que some
Quando mais
Preciso dele
Será que pressente

XL

Fiz uma armadilha
Para pegar o Zé Pinto
Era para ele
Pisar ao espinho
Escondido no trilho
Esqueci-me da trama
Fui eu quem sentiu o fisgo

XLI

O Lelinho presenteou-me
Com uma gaiola e
Um pixarro
Minha irmã sem
Querer derrubou
A gaiola no quarto
Voou, voou o pixarro
Aconteceu o que
Eu queria, mas tinha
Ânimo fraco

XLII

O radio
Sempre ligado
Música
Ritmo
Além de cuidar
De tudo mamãe
Ainda costura
Ainda bem
Que o Zé Bettio
Diz a hora
De minuto
Em minuto                                                    

XLIII

Papai matou
Uma cobra hoje
Aqui pertinho
Da casa

A Rosa Brisa viu tudo
Gritou credo
Elevou um mão à boca
Atrapalhou-se com
As doações de mamãe

Eu sorri do jeito
Apatetado dela
(Mas também me
Arrepiei de medo)

XLIV

Papai fez uma
Pipa vermelha
Que voou, voou
Espantou a viuvinha
E a corruíra
Que faziam ninho
No jacaré
Achei divertido
Mas quando a pipa
Abeirou uma caixa
De marimbondo-tatu
Acabou a diversão

XLV

Tem uma galinha
Cacarejando
No mato
Mamãe gritou
Para o papai
Procurar o ovo
O pai gritou
Que isso é serviço
De criança
Que ver que vai
Sobrar para mim
                                                                       
XLVI

O arroz cai
Como chuva
Na panela
Batuca
Depois o leite
Corre macio
Branco que ocupa
Mexe, mexe
Mexe, mexe
Melhor que seja
Fogo brando
Logo cai rapadura
Morena
O branco garça
Então se despeja
Às cumbucas
E garoa canela
(E tem que gosto
Mesmo é de
Raspar a panela)

XLVII

Fui buscar                                                            
A malhada
Fui pelo
Trilho fundo
Abeirado de
Capim orvalhado
Voltei com
A malhada
E bem molhado

XLVIII

O pio da coruja
Pela frincha
Da janela
(Vem com o frio)
Cubro a cabeça
Coitada da coruja
Coitada dela
Sem casa
Sem coberta
Cadê será
A família dela

XLVIX

Era ainda manhã
A Lourdes apareceu lá em casa
E ajuntou-se a mim nos desenhos
(Ela gostava de pintar)
Mamãe costurava
Pezinhos para baixo e para cima
Na máquina de costura
Plec plec plec
(A intensidade das batidas
Contava-me dela)
A Margarida brincava
Com a Deni na sala
O tio Otavio subiu falando
Que o filho da Elenice nasceu
(Mamãe saltou da cadeira
Quis saber melhor)
Chama-se Marlon
Disse o Tio Otávio
Marlôn, eu indaguei
Pondo o forte no “on”
Não, ele disse
É Márlon. O forte
E o no “mar”
(Pensei no mar. Gostei)
Márlon, Márlon. Repeti
Que diferente, observei
De nome diferente você
Não pode falar nada
Comentou a Lourdes
Sorrimos
(Ela pintou um vivo sol
Rodando a ponta do lápis
Vermelho na língua)
(A Margarida cantou
Músicas do Roberto)
(O plec plec plec de
Mamãe adocicou-se
Grandemente, derramando 
Ainda mais claridade

Ao nosso dia)

L

Mamãe lavou a
Parede encardida
Varreu picumã
Passou tabatinga
A cozinha ficou
Com jeito de manhã

LI

Carrapato
Carrapicho
Cara-pálida
Arco-e-flecha

Sou índio
Na selva
Do meu quarto
Em penumbra

Se vem ruídos
Dos desvãos
Dos cafundós
De debaixo da cama

Monto meu cavalo
Fujo já fujo já fujo já
Cavalgo quase um dia
Disparo à cozinha

(Morro de medo de onça)

LII

Olho, olho, olho
Para os lados
Não há cerca
Para os passarinhos

(Melhor cortar logo
A vassoura de alecrim
No pasto do padrinho)

LIII

A mamãe debulhou
À Dita Polina
Que na verdade isso
Que ela sente
Que parece
Raiva de alguém
Não é raiva
De ninguém
É algo que
Ela teria
Mesmo que
Fosse apenas
Ela na terra

LIV

O Tio Otávio
Comprou um
Fusquinha azul
Passa aqui
Como um
Cometa
Atrás
Uma nuvem
De poeira
Adiante
O pinguinho
De céu
                                                
LV

Na casa da madrinha
Tijolos a vista
Cerquinha de bambus
Jardim de rosas
Pendurados os chuchus
Não sei o que acontece
O sol lá parece
Clareia mais   

LVI

Aleluias, aleluias
Mergulham tesouras
Revoam bem-te-vis
As saracuras ciscam
Aqui e ali
Se vier chuva
Que seja chuvisco
Não quero o mundo
Apenas pela janela

LVII

Abro os olhos
Como enfim achasse
Uma porta do caos
Ao conhecido

Um canudo de ar
Vem correndo atrás
Como lavando e abrindo
Em avalanche caminhos

O sonho assustou-se,
Voou
Eu penso, penso

Que estranho é isso
Da gente não se
Recordar de algo
Tão vivo há
Segundos atrás

LVIII

Menina de longe
Menina branca
Brinca comigo
Não sei como pode
Ajeita tranças
Olha-me de um jeito
Olhos grandes
Queima-me o peito

LIX

Teu pai tem boi
Teu pai tem boi
Pergunta o picharro
Falo que tem
Ele pergunta de novo
O joão-de-barro
Da risada

LX

Arreado o cavalinho quito
Ajudo ajuntar bezerros
Vem um homem de fora
Leva tudo
Uns olhos esquisitos
O senhor confia nele, padrinho?
O padrinho apenas se ri

LXI

E essa chuva
Escorregando
Há mais de mês

As rolinhas
As beiradas
Do paiol
Parecem entediadas

Vargens cheias
Dizem que
É bom

Bom, bom
Só se for para
Pescar lambari

(Se ao menos
Mamãe permitisse)

Até o paiol
Parece entediado

LXII

Caiu num buraco
Morreu a Barquinha
As outras em volta
Sapateiam, sapateiam
Nunca ouvi
Berros tão tristes

LXIII

Ano que vem
Ano que vem
Não aguento
Mais papai
Falando
Esse trem

LXIV
                                                                        
Carro de boi bicudo
Geme geme
Os olhos dos bois
São olhos
De bichos tristes
Olha a postura deles
O carreiro
Cutuca ferrão
O silêncio dos bois
É de dar dó
O carro chora por eles
                                                                            
LXV

O mundo do espelho
E outro
Não é o meu
Não é o seu
Não é o nosso

O espelho é cascudo
É idiota
Não dá para seguir
Seus conselhos

O mundo do espelho
Desbota
De um jeito diferente
Do nosso

LXVI

Para a Festa da cidade
Mamãe comprou-me
Um par de sapatos
Com detalhes alaranjados
Mostrei ao tio Dutra
Ele falou que vou
Arrumar namorada
Será?

LXVII

Quando rezam
“Bendita sois vós
Entre as mulheres”
Eu entendo muLEres
Sabe aquela vontade
De rir na hora que
Não pode
                                                                 
LXVIII

No ponto de
Entrega do leite
Espocam notícias
Acontecidas e inventadas
Risadas e mais risadas
A mamãe fala que homem
Também é fofoqueiro
Faz fusquinha
Acha que não sei que morre
De vontade de estar lá
Naqueles dez
Dedinhos de prosa

LXIX

Domingo
O povo da Praça
Vem buscar leite
Nos Tiorfo
Dão leite
De gracinha
Promessa
O povo vem
Parece fugindo
Não sei de quê
Na volta lotam
O caminhão leiteiro
Que fica
Como criançada
Em volta do bolo
Depois dos parabéns

LXX

Avião a jato
Chia no alto
Ouço o barulho
O avião flutua
Bem adiante

Tem vez
Vejo o avião
Não ouço
O barulho

Tem outras
Tem barulho
Mas não
O avião

Difícil entender
De onde vêm
Para onde vão

Por que não
Sossegam

LXXI

Lá vem o Luiz Zico
Dia... dia pro’cês
Pés arrastados
Saco as costas
A gente dá leite
A gente dá comida
Ele sai agradecido
Não tenho medo dele
Nem vontade de caçoá-lo
Ele tem olhos de menino
Tenho vontade de
Chamá-lo para brincar

LXXII

Às vezes ajudo o papai
A apartar vaca
É bom ter cautela
E, além
Um bom porrete
Vaca às vezes
Investe na gente
Já falei com o papai que
Não gosto disso
De separar mãe e filho

LXXII

Uma ciganada
Acampou lá perto
Da igrejinha
Do Afonso Tiorfo
Sabem olhar o futuro
Na mão da gente
Futuro futuro
Melhor deixar o futuro
Para o futuro
Com tanto agora
Para aproveitar

LXXIII

Amiúdo os olhos
Consulto o céu
Que calorão beliscado
Um tempo enroscado

Ainda mais de mês
Para irmos a Aparecida
Tomara não chova

Quero coisas novas
Para lembrar

LXXIV
                                                                  
As galinhas alvoroçadas
O milho lançado
Chuva dourada
Algazarra
Crianças depois
Da missa
No parquinho
Atrás da igreja

LXXV

A raposa está levando
Uma galinha por dia
Meu pai pôs armadilha

Pegar pode até ser que pegue
(Cutucou mamãe)
Quero ver o São Francisco
Ter coragem de matar

(Papai saiu quieto)
                                                          
LXXVI

Detesto os gansos
Da Titininha
Os primos mangam
De mim

Como gostar
Desses bichos
Com pescoço
De cobra

LXXVII

O que será que
Tem para cima
Das estrelas

Se eu crescesse
Crescesse
Ficasse muito
Além delas

O que será
Que eu veria

LXXVIII

Um sol pálido
Amarelecendo
As moitas de
Capim-gordura

Não gosto
De tardinhas

O tempo de criança
Era gosto (só)
Ia devagar

Mas devagar
Também se vai

(Foi)

Eu perturbava mamãe
Com tantos porquês

Lembro-me quando
Ouvi pela primeira
Vez a palavra deslocar

Não gostei dela
Achei pesada
Doente

Como assim, mãe.
Deslocar é sarar
De loucura?

Ela não respondeu direito
Se disse ocupada
Que era coisa de adulto

Pode ser também
Loucar dez vezes
Pensei

Hoje penso que
Pode ser mais
Ou menos isso mesmo
(Misturado com
O que mamãe falou)

Quanto mais (dez)locado
No tempo. Mais louco
Mais adulterecido

O contrário disso é buscar
Ser árvore para passarinhos
Entender a língua e o mundo deles
Como o Manoel de Barros falou