I
Ergo uma tampa. Pronto. Tudo lá. Sou o menino das primeiras lembranças
outra vez. Está repleto o chão das minhas mais ingênuas recordações. Algumas
assento aqui. Ficou parecendo um livrinho; mas não. Ninguém escreve um livro
apenas num pedaço de tarde escutando programas antigos do Zé Bettio.
II
Eu vejo o mundo
Pela janela
Sou doentio
Mamãe é que diz
Me segura
Como pode
A Titininha fala
Que fico doente à toa
Por falta de sol
(Concordo com ela)
III
Em teu nome
Há “com” e também “ação”
Mas é o teu “sol” que me joga
Numa noutra dimensão
IV
Medo eu tenho
Daquelas pereiras
Pros lados
Das terras do
Antônio Rocha
Quando está
Para chover
Chiam feio
Ficam num
Caminho antigo
Onde dizem alguém
Matou alguém
Tem montinho
De pedras, flores
E até cruz
Medo do vento
Perturbar a alma
Do morto
E ele vir me perturbar
V
Fico ressabiado com
A noite da roça
(Por uma frestinha
Espio lá fora
Como olhasse
Algo proibido)
Um preto que
Engole tudo
Mundo hostil
Onde até o vivo
Parece morto
Um silêncio de doer
Os ouvidos
(Silêncio dos barulhos
Do dia)
Não posso dizer
Que gosto
Desse céu
De tantos olhinhos
Sondando a gente
Uiva o Rex
(Parece que ouço
O grunhido
Daquele porco
Morto outro dia)
(As marteladas
Que ouço
Dizem ser
Chafurdo de rãs)
Num súbito
Recolho a cabeça
Bato a janela
Giro a tramela
(Olho para aquela
Nossa Senhorinha
Que brilha
No escuro
Me acalmo)
Melhor não exceder
Meu mundo
VI
Quando os primos
Passam em comboio
Munidos de pedras
E estilingues
Eu morro de inveja
Que vontade de
Afundar com eles
Aos mistérios
Das matas
VII
Nos cadernos
De desenhos
Contorno mundos
Fabulosos
E aí me aventuro
VIII
Desenhei
Uma vaca morta
Sendo devorada
Por urubus
Minha mãe
Assustou-se
Acha que não
É desenho
Para alguém
De cinco anos
(Ela não percebeu que
Fiz a alma da vaca
Acima das nuvens)
IX
Ah, que vontade
De sapatear ao barro mole
De molhar-me a chuva fina
Minha mãe não deixa
Por que os filhos
Da Titininha podem
X
A enxada raspando o
Solo faz recordar mamãe
Raspando rapadura
Chego a salivar
XI
Chuva do lado
Do Tiorfo vem
Melhor eu entrar
XII
Lá vem meu pai
Meu super-herói
Com aquela
Capa plástica
Por causa da chuva
Benção pai
“Bençoe”
XIII
O Tio Otavio
Passou aqui ontem
Fizemos uns
Aviõezinhos
Um voou voou
Voou para lá
Da casa
Da madrinha
Ela gritou viva
Eu bati palmas
XIV
O milho seduz
A enxada
Que sem poder
Tocá-lo
Arranha a terra
Em volta
Gosto do cheiro
De chão revirado
XV
O melhor cheiro
De comida que
Já senti
Vem dos embornais
Dos meus tios
XVI
Miro o Pico da Paz
(Penso numa montanha
Grávida)
Estico o dedo
Finjo pegá-lo
Um dia vou lá
Vou, juro
O custoso
Além da subida
Será enganar mamãe
XVII
Nos brejos
Sapos rãs
Chafurdam
O que será dizem
Será que a noite
Para eles é dia
XVIII
Pescando lambari
No Ribeirão do
Tio Valdomiro
Minhoca no
Anzol dá nojo
Mas lambari
Frito é tão bom
XIX
Tentei fazer visgos
Pegar periquitos
Não deu muito certo
Nem me importei
Gostei de passar
A tarde na vargem
Do arrozal recém-colhido
Fazendo amizade
Com os passarinhos
Arrulharam rolinhas
Avoaram passos-pretos
Bicaram sanhaços
Bico de veludo
Amareleceram canarinhos
(Um dia ainda vejo
O sanhaço mãe-do-sol)
Tenho certeza de que
No paraíso há
Muitos passarinhos
XX
Nunca atirei pedra
Em passarinho
Para matar
Da vez que acertei
Sem querer
Quem quase
Morreu fui eu
XXI
O Zé Porfírio é engraçado
Chegou mancando, mancando
Nem quis falar de política
Veio pegar pau-amargo
Perto do bambuzeiro
Do Tio Dutra
É mijacão, disse mamãe
Quê? Eu disse
Ele manca por causa
De um tumor
Na sola de um pé
Por haver pisado
Descalço xixi de cavalo
Eu ri. Então devia
Ser mijacavalo
E não mijacão
Mamãe também se riu
(Gosto quando ela sorri)
XXII
Depois da Ave
Maria da noite
As almas penadas
São soltas
Saem borboletas
Aparecem bruxas
Sorte a minha
Ter a proteção de
Uma casa
XXIII
De repente uma notícia
Minha mãe grita
A madrinha Lázara
Que grita a tia Elza
Que grita a Elenice
E a Titininha
Da Titininha a coisa
Salta para os Tiorfo
Em menos de hora
O bairro todo sabe
Que haverá missa
No domingo
XXIV
O Rex é um bom
Cachorro
Embora meio quietão
Olha-me com
Uns olhos de gente
Sem ninguém
Por isso gosto
De abraçá-lo
XXV
Fui buscar abobrinhas na roça
Meu irmãozinho foi comigo
Fomos surpreendidos
Por uma chuva daquelas
Peguei um pedaço de lona velha
Ficamos abaixados debaixo
Gostei de ser o mais velho
O protetor
As gotas entraram a golpear
Forte nossas costas
Fiquei assustado
Meu irmão olhou-me arregalado
Procurei olhá-lo tranquilo
Falei está tudo bem
Será divertido
Ele começou a se rir
Disse chuva chela gotoso
XXVI
Peixe-frito
Peixe-frito
Coitado do
Passarinho
Não pode gemer
Seu canto que
Mamãe já se agita
Diz vai acontecer
Coisa ruim
Bem que o pai
Fala que ela
Está ouvindo
Muito Gil Gomes
XXII
Chuva de cordão
Fico olhando
Olhando
Parece macia
Lembra aquele
Meu pijama
De flanela
(O listrado)
É o que mais gosto
XXIII
Resolvi ajudar
O pessoal do
Mutirão
A plantar milho
Dois grãos para lá
Dois para cá
Passo um pé
Tampo a cova
Cansei
À noite, na cama
Enfim o descanso
Mas não
Mesmo com
Olhos fechados
Segui naquilo
De dois grãos para lá
Dois para cá
Passo um pé
Tampo a cova
A repetição
Acabou gravada
Nas costas
Dos olhos
XXIX
Que esquisito
(De longe vejo)
O padrinho
Golpeia machado
No angico
Mas o barulho
Só depois
De um tempo
É um negócio
Que não combina
Como se a boca
Se movesse
Não se ajustando
Ao dito
XXX
A gordura crepita
As bolinhas caem
Gotas amarelas
Meteóricas de início
Do mundo
Sobe a fumaça
Alastra o cheiro
Como gosto quando
Mamãe faz
Bolinho de chuva
XXXI
O sabiá
O curiango
O mesmo galho
De laranjeira
O tempo é outro
Um é pio
De claridade
Outro
Nem sei
De assombração
Acho
XXXII
A diante de mim um tiziu
Estou bem próximo dele
Lentamente busco uma pedra
Ajeito-a à malha
Tenciono a borracha
O tiziu está bem na reta
Do V do gancho
Capricho um pouco mais
O tiziu ainda lá
Limpo a garganta, repito
A borracha ainda tensa
O tiziu salta e volta
Ao mesmo ponto
Na ponta do moirão
Ajeito ainda mais, suspiro
Alivio a borracha
Solto a pedra ao chão
Bato palmas, irritado
Não vou arriscar matar
Uma ave que para cantar
Salta e volta e nisso no ar faz
Desenho de coração
XXXIII
A jabuticabeira
Céu estrelado
Estrala no céu
Céu da boca
Bolha rocha
Branco sabor
Oh, Que trem
Mais bão pra
Mais de metro
XXXIV
O vô gosta de
Contar história
De assombração
À taipa do fogão
Voa, voa a
Minha imaginação
Que delícia
O medo que sinto
XXXV
O jardinzinho
De mamãe
Caminhos geométricos
Pétalas, cores
Cada uma faz
Lembrar alguém
De cada lugar vem
Uma muda diferente
Vê uma flor
Lembra-se da
Vovó Aurora
Vê outra
Lembra-se da
Tia Zilda
Intriga-me aquela
Florzinha rosa
Que nasceu sem
Ninguém plantar
(Um perfume
Tão marcante)
Seria peraltice
Dos anjos?
XXXVI
O gavião bateu
Outra vez
Levou três
O pai disse
Que vai
Pegar a
Cartucheira
Do Lazo do Cândico
Acho bom
Quem sabe
Não mate
Aquela onça
Da qual o tio Lauro
Fala tanto
XXXVII
Quando sonho
Que estou voando
Gosto
Agora, que
Estou pelado
Não gosto
Sempre acordo
Muito envergonhado
XXXVIII
O gatinho na cama
Uma bola de pelos
Que preguiça
Mamãe vem brava
(Sobrancelhas de
Gavião em mergulho)
Eu intervenho
O, mãe
Deixa o “nhão”
Faço nele
No gato
(As sobrancelhas
Mudam para voo
Da pomba da
paz)
XXXIX
Assovio
Quero o Rex
Vou levar
Almoço ao papai
Para lá do Afonso Tiorfo
Terei que passar
Perto da matinha
Que o Tio Lauro diz
Haver corpo-seco
Onde está
Esse cão gente
Que some
Quando mais
Preciso dele
Será que pressente
XL
Fiz uma armadilha
Para pegar o Zé Pinto
Era para ele
Pisar ao espinho
Escondido no trilho
Esqueci-me da trama
Fui eu quem sentiu o fisgo
XLI
O Lelinho presenteou-me
Com uma gaiola e
Um pixarro
Minha irmã sem
Querer derrubou
A gaiola no quarto
Voou, voou o pixarro
Aconteceu o que
Eu queria, mas tinha
Ânimo fraco
XLII
O radio
Sempre ligado
Música
Ritmo
Além de cuidar
De tudo mamãe
Ainda costura
Ainda bem
Que o Zé Bettio
Diz a hora
De minuto
Em
minuto
XLIII
Papai matou
Uma cobra hoje
Aqui pertinho
Da casa
A Rosa Brisa viu tudo
Gritou credo
Elevou um mão à boca
Atrapalhou-se com
As doações de mamãe
Eu sorri do jeito
Apatetado dela
(Mas também me
Arrepiei de medo)
XLIV
Papai fez uma
Pipa vermelha
Que voou, voou
Espantou a viuvinha
E a corruíra
Que faziam ninho
No jacaré
Achei divertido
Mas quando a pipa
Abeirou uma caixa
De marimbondo-tatu
Acabou a diversão
XLV
Tem uma galinha
Cacarejando
No mato
Mamãe gritou
Para o papai
Procurar o ovo
O pai gritou
Que isso é serviço
De criança
Que ver que vai
Sobrar para mim
XLVI
O arroz cai
Como chuva
Na panela
Batuca
Depois o leite
Corre macio
Branco que ocupa
Mexe, mexe
Mexe, mexe
Melhor que seja
Fogo brando
Logo cai rapadura
Morena
O branco garça
Então se despeja
Às cumbucas
E garoa canela
(E tem que gosto
Mesmo é de
Raspar a panela)
XLVII
Fui buscar
A malhada
Fui pelo
Trilho fundo
Abeirado de
Capim orvalhado
Voltei com
A malhada
E bem molhado
XLVIII
O pio da coruja
Pela frincha
Da janela
(Vem com o frio)
Cubro a cabeça
Coitada da coruja
Coitada dela
Sem casa
Sem coberta
Cadê será
A família dela
XLVIX
Era ainda manhã
A Lourdes apareceu lá em casa
E ajuntou-se a mim nos desenhos
(Ela gostava de pintar)
Mamãe costurava
Pezinhos para baixo e para cima
Na máquina de costura
Plec plec plec
(A intensidade das batidas
Contava-me dela)
A Margarida brincava
Com a Deni na sala
O tio Otavio subiu falando
Que o filho da Elenice nasceu
(Mamãe saltou da cadeira
Quis saber melhor)
Chama-se Marlon
Disse o Tio Otávio
Marlôn, eu indaguei
Pondo o forte no “on”
Não, ele disse
É Márlon. O forte
E o no “mar”
(Pensei no mar. Gostei)
Márlon, Márlon. Repeti
Que diferente, observei
De nome diferente você
Não pode falar nada
Comentou a Lourdes
Sorrimos
(Ela pintou um vivo sol
Rodando a ponta do lápis
Vermelho na língua)
(A Margarida cantou
Músicas do Roberto)
(O plec plec plec de
Mamãe adocicou-se
Grandemente, derramando
Ainda mais claridade
Ao nosso dia)
L
Mamãe lavou a
Parede encardida
Varreu picumã
Passou tabatinga
A cozinha ficou
Com jeito de manhã
LI
Carrapicho
Cara-pálida
Arco-e-flecha
Sou índio
Na selva
Do meu quarto
Em penumbra
Se vem ruídos
Dos desvãos
Dos cafundós
De debaixo da cama
Monto meu cavalo
Fujo já fujo já fujo já
Cavalgo quase um dia
Disparo à cozinha
(Morro de medo de onça)
LII
Olho, olho, olho
Para os lados
Não há cerca
Para os passarinhos
(Melhor cortar logo
A vassoura de alecrim
No pasto do padrinho)
LIII
A mamãe debulhou
À Dita Polina
Que na verdade isso
Que ela sente
Que parece
Raiva de alguém
Não é raiva
De ninguém
É algo que
Ela teria
Mesmo que
Fosse apenas
Ela na terra
LIV
O Tio Otávio
Comprou um
Fusquinha azul
Passa aqui
Como um
Cometa
Atrás
Uma nuvem
De poeira
Adiante
O pinguinho
De céu
LV
Na casa da madrinha
Tijolos a vista
Cerquinha de bambus
Jardim de rosas
Pendurados os chuchus
Não sei o que acontece
O sol lá parece
Clareia mais
LVI
Aleluias, aleluias
Mergulham tesouras
Revoam bem-te-vis
As saracuras ciscam
Aqui e ali
Se vier chuva
Que seja chuvisco
Não quero o mundo
Apenas pela janela
LVII
Abro os olhos
Como enfim achasse
Uma porta do caos
Ao conhecido
Um canudo de ar
Vem correndo atrás
Como lavando e abrindo
Em avalanche caminhos
O sonho assustou-se,
Voou
Eu penso, penso
Que estranho é isso
Da gente não se
Recordar de algo
Tão vivo há
Segundos atrás
LVIII
Menina de longe
Menina branca
Brinca comigo
Não sei como pode
Ajeita tranças
Olha-me de um jeito
Olhos grandes
Queima-me o peito
LIX
Teu pai tem boi
Teu pai tem boi
Pergunta o picharro
Falo que tem
Ele pergunta de novo
O joão-de-barro
Da risada
LX
Arreado o cavalinho quito
Ajudo ajuntar bezerros
Vem um homem de fora
Leva tudo
Uns olhos esquisitos
O senhor confia nele, padrinho?
O padrinho apenas se ri
LXI
E essa chuva
Escorregando
Há mais de mês
As rolinhas
As beiradas
Do paiol
Parecem entediadas
Vargens cheias
Dizem que
É bom
Bom, bom
Só se for para
Pescar lambari
(Se ao menos
Mamãe permitisse)
Até o paiol
Parece entediado
LXII
Caiu num buraco
Morreu a Barquinha
As outras em volta
Sapateiam, sapateiam
Nunca ouvi
Berros tão tristes
LXIII
Ano que vem
Ano que vem
Não aguento
Mais papai
Falando
Esse trem
LXIV
Carro de boi bicudo
Geme geme
Os olhos dos bois
São olhos
De bichos tristes
Olha a postura deles
O carreiro
Cutuca ferrão
O silêncio dos bois
É de dar dó
O carro chora por eles
LXV
O mundo do espelho
E outro
Não é o meu
Não é o seu
Não é o nosso
O espelho é cascudo
É idiota
Não dá para seguir
Seus conselhos
O mundo do espelho
Desbota
De um jeito diferente
Do nosso
LXVI
Para a Festa da cidade
Mamãe comprou-me
Um par de sapatos
Com detalhes alaranjados
Mostrei ao tio Dutra
Ele falou que vou
Arrumar namorada
Será?
LXVII
Quando rezam
“Bendita sois vós
Entre as mulheres”
Eu entendo muLEres
Sabe aquela vontade
De rir na hora que
Não pode
LXVIII
No ponto de
Entrega do leite
Espocam notícias
Acontecidas e inventadas
Risadas e mais risadas
A mamãe fala que homem
Também é fofoqueiro
Faz fusquinha
Acha que não sei que morre
De vontade de estar lá
Naqueles dez
Dedinhos de prosa
LXIX
Domingo
O povo da Praça
Vem buscar leite
Nos Tiorfo
Dão leite
De gracinha
Promessa
O povo vem
Parece fugindo
Não sei de quê
Na volta lotam
O caminhão leiteiro
Que fica
Como criançada
Em volta do bolo
Depois dos parabéns
LXX
Avião a jato
Chia no alto
Ouço o barulho
O avião flutua
Bem adiante
Tem vez
Vejo o avião
Não ouço
O barulho
Tem outras
Tem barulho
Mas não
O avião
Difícil entender
De onde vêm
Para onde vão
Por que não
Sossegam
LXXI
Lá vem o Luiz Zico
Dia... dia pro’cês
Pés arrastados
Saco as costas
A gente dá leite
A gente dá comida
Ele sai agradecido
Não tenho medo dele
Nem vontade de caçoá-lo
Ele tem olhos de menino
Tenho vontade de
Chamá-lo para brincar
LXXII
Às vezes ajudo o papai
A apartar vaca
É bom ter cautela
E, além
Um bom porrete
Vaca às vezes
Investe na gente
Já falei com o papai que
Não gosto disso
De separar mãe e filho
LXXII
Uma ciganada
Acampou lá perto
Da igrejinha
Do Afonso Tiorfo
Sabem olhar o futuro
Na mão da gente
Futuro futuro
Melhor deixar o futuro
Para o futuro
Com tanto agora
Para aproveitar
LXXIII
Amiúdo os olhos
Consulto o céu
Que calorão beliscado
Um tempo enroscado
Ainda mais de mês
Para irmos a Aparecida
Tomara não chova
Quero coisas novas
Para lembrar
LXXIV
As galinhas alvoroçadas
O milho lançado
Chuva dourada
Algazarra
Crianças depois
Da missa
No parquinho
Atrás da igreja
LXXV
A raposa está levando
Uma galinha por dia
Meu pai pôs armadilha
Pegar pode até ser que pegue
(Cutucou mamãe)
Quero ver o São Francisco
Ter coragem de matar
(Papai saiu quieto)
LXXVI
Detesto os gansos
Da Titininha
Os primos mangam
De mim
Como gostar
Desses bichos
Com pescoço
De cobra
LXXVII
O que será que
Tem para cima
Das estrelas
Se eu crescesse
Crescesse
Ficasse muito
Além delas
O que será
Que eu veria
LXXVIII
Um sol pálido
Amarelecendo
As moitas de
Capim-gordura
Não gosto
De tardinhas
O tempo de criança
Era gosto (só)
Ia devagar
Mas devagar
Também se vai
(Foi)
Eu perturbava mamãe
Com tantos porquês
Lembro-me quando
Ouvi pela primeira
Vez a palavra deslocar
Não gostei dela
Achei pesada
Doente
Como assim, mãe.
Deslocar é sarar
De loucura?
Ela não respondeu direito
Se disse ocupada
Que era coisa de adulto
Pode ser também
Loucar dez vezes
Pensei
Hoje penso que
Pode ser mais
Ou menos isso mesmo
(Misturado com
O que mamãe falou)
Quanto mais (dez)locado
No tempo. Mais louco
Mais adulterecido
O contrário disso é buscar
Ser árvore para passarinhos
Entender a língua e o mundo deles
Como o Manoel de Barros falou