segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

NINHO


Este ano não pude participar do encontro da Sabinada em Caconde. Coisas do ofício. A Luciana foi com o Otávio. Seguiram pela estrada de terra desta vez, pela Barra. Diz que a estrada está boa. Apenas cinquenta minutos de viagem. O Hélio também foi abaixo de um bonezinho. Coitado. Lembranças e discernimento sendo roídos. Por isso chegou meio distraído, aéreo, deslocado. Assentou-se num canto. A Palmira arrumando os cabelos e a roupa dele.

A Luciana disse que perguntaram por mim, que falaram que eu deveria ter ido. A Camila Dias disse que este ano ia conversar bastante comigo, para eu incluí-la em meus textos. A Tia Ruth disse que era para eu escrever assim mesmo. Seria a crônica do cronista que não foi à festa. Risos. A Cida Gonçalves perguntou a Luciana se ela estava anotando algo. A Luciana falou que não. Aí a Cida decerto pensou, então este ano não tem mesmo escrito do Kirk. O Carlos Alberto (meu padrinho de casamento) mandou-me recado em vídeo, reclamando. Disse que eu falei que ia. Não fui. Que sou “viado”. Decerto aí já não apenas ao suco e refrigerante como a Luciana. (Ela disse que não bebeu cerveja. Eu não sei se acredito).

O Otávio disse que foi tudo muito parecido. Aquela casa bonita curiosamente com jeito de chão. (Notou mais enfeites de Natal este ano). Que as tias Neuza, Odete e Ruth conversaram e conversaram. Que o Rovilson apareceu com uma caixa de lichia, pingos de aurora por fora, torrão de polpa carnuda por dentro. (As formigas fizeram roda a mira do sabor branco). O Tio Anísio dançou Bandeira Branca docemente com a Deta. Rodaram e rodaram. Um carinho bonito dela para com ele. Um cuidado emocionante. (Ele melhorou bastante. Lembra-se que no ano passado dançou apenas com os dedinhos para agradar ao menino Pipo?). Que fizeram muitas palhaçadas. (O Jaiminho pôs um pano de chita na cabeça e dançou como um maluco. As pessoas sorriram e aplaudiram como crianças malucas de felizes). Que havia pés descalços, gente sentada pelos cantos. As crianças se acabavam num pula-pula. Até um pequenininho filho da Andressa. Um toquinho que não sabendo se dormia ou se pulava tentava conciliar os dois. A Anita da Adriane, vermelha quase igual uma maça do amor. Que o Antônio Augusto como da outra vez se valeu da mangueira d’água para refrescar o ambiente. Dizendo que jogaria água no telhado mais jogava no povo, especialmente na Adriane, bem como em si mesmo. Jogava água no povo como jogasse balas para crianças.


Sem que eu pedisse o Otavio me mandou uma foto de um canto da casa, mostrando um ninho de passarinho. Fiquei emocionado. Passarinhos não fazem ninhos em qualquer lugar. Aquele lugar é mesmo especial. A família é um presente que Deus pensou para nós desde que nos projetou, para que toleremos bem os revezes da vida. Para que tenhamos lugar. Na família, se estivermos com o coração aberto; mas bem aberto mesmo, qual criança, sentiremos a pele, a voz, o cheiro de Deus.

O Helio sentiu-se confuso com essa emoção de união de espíritos. Ele não sabia bem o que era. Parecia cansaço. A doença lhe quebra todas as barreiras e assim de coração destrancado não é mesmo fácil receber essa energia potente, pura, ancestral. Ele partiu embriagado (aposto que estranhamente achando ali seu lugar), abaixo de música e carinho. (Paz, paz... Paz, paz, paz, paz...).

Bom seria se nossa vida acabasse sem dor, sem sofrimento. Que acabasse como as festas da Sabinada da Dona Eugélia naquela casa (ninho) com jeito de chão. (Paz, paz... Paz, paz, paz, paz... Paz-carigudum, Paz-carigudum, Paz-carigudum). Para a posteridade, mais uma foto. Tanta gente. Diferentes tão iguais. Desta vez todos diante da casa onde passarinhos fazem ninhos.
  
A casa bonita
Com jeito de chão
Onde passarinhos
Fazem ninhos

Pés descalços
Povo pelos cantos
Um dedo de prosa
Dez dedos de prosa
O que proseiam tanto

A alegria do menino
Que tenta conciliar
Dormir com pular

A caixa de lichia
Por fora
Gotas de aurora
Por dentro
O carnudo branco

Família. Alvoroço
Diferentes tão iguais
Perguntas e respostas
Idas e voltas

Ninho

(Essa é a crônica
Do cronista que
Não foi a festa)

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