Eu ia próximo à curva da Paraisópolis com a
Oligisto, aqui em BH mesmo, no bairro Santa Tereza, e notei um senhor numa
garagem, cheio de cuidados com uma gaiola com um pássaro dentro. Olhei de longe
por entre as grades, diminuindo a caminhada, mas sem parar totalmente. Manobrando
a cabeça para lá e para cá, sabe. Contudo não consegui ver bem. Que pássaro o
senhor tem aí, seu Luiz? Uma senhora
que passava, decerto vizinha, deu voz a minha curiosidade. Eu disfarcei e
parei. Até me assustei com ela falando tão ao meu lado. Não notei sua
aproximação. É um pardal, ele respondeu. Pardal! Admirou-se ela, ajeitando o
xale preto. Sim, disse ele, boca sem dentes, rostinho magro e enrugado do jeito
máximo que se possa imaginar. Sabe o que foi, ele seguiu. A voz mansa parecia
de alguém mais jovem. É que esse coitadinho apareceu aqui no quintal com uma
asinha machucada. Só tô cuidando dele até ficar bom. Depois solto. Ah, admirou-se
outra vez a vizinha, entediada. Aproximou-se do portão. Abriu-o com agilidade.
Espichou a cabeça erguendo os óculos para ver melhor o pássaro. Nossa, a asinha
tá bem machucada mesmo, observou. Fez cara de dor. Se depender de mim, sara.
Disse o velho sorrindo. A boca era sem dentes, o rosto enrugado a não poder
mais; mas o riso era esplêndido, cândido, de anjo. Coisas assim passam
despercebidas da gente, mas do roubo na Alvinópolis ninguém para de falar. Só a
menina do 201 já me contou três vezes, e em detalhes.