Lembro da primeira vez que o vi. Estava lá, no
canto menos iluminado da vitrine. Era manhã. Falei com a mocinha. Me deixe
experimentar aquele. Indiquei com o dedo. Ela pegou um. E esse? Disse
arregalando os olhos. Nããão, eu disse. Acho que ela não gostou do meu “não” comprido.
É o do fundo, com as três faixinhas. Procurei observar com a voz mais educada
que pude. Ah, gemeu ela. Com ele nas mãos achei-o meio sem-graça, mas experimentei
assim mesmo. Por coincidência era 39, meu número. Maciez perfeita. Andei em círculo, meio mancando. Vestiu bem meus
pés. Gostou? Disse a mocinha com voz de ressaca. Vou levar, eu disse incisivo. A
mocinha parece até se assustou, apenas então acordando. Nossa, rodei tanto com
ele. Esteve comigo nos montes mais altos de Monte Verde, passeou muito em Guarapari,
nas Serras Gaúchas, Guarujá e Ubatuba. Enfim, tantos lugares e tantas horas de
caminhada, principalmente em Botelhos, Consolação e BH. Quando caí na roça do meu pai, machucando um pé, eu
não estava com ele. Mas ele esteve comigo, firme, na maioria das sessões de
fisioterapia. Agora ele está velho. Levei-o a Reformadora de Tênis. A moça lá,
torcendo o nariz, disse que não vale a pena, que é melhor descartar. Disse sem nem olhar direito e sem tirar o dedinho indicador da tela do celular. Bah...
Descartar. Isso até me dá arrepio, essa cultura do descarte. Acho que no-fundo-no-fundo
o desconforto maior meu vem do receio de que chegue o dia em que o descartado
seja eu. Acho que vou encher o tênis de terra e plantar um pé de rosinha. Aí deixo
na roça, para que ele curta bem sua velhice. Risos. Quando estiver bem florido
ficará interessante. Farei uma foto bem artística e é capaz até que a moça da Reformadora
de tênis use a foto como papel de parede de seu celular.
Nenhum comentário:
Postar um comentário