domingo, 13 de março de 2016

Despercebido


Eu ia próximo à curva da Paraisópolis com a Oligisto, aqui em BH mesmo, no bairro Santa Tereza, e notei um senhor numa garagem, cheio de cuidados com uma gaiola com um pássaro dentro. Olhei de longe por entre as grades, diminuindo a caminhada, mas sem parar totalmente. Manobrando a cabeça para lá e para cá, sabe. Contudo não consegui ver bem. Que pássaro o senhor tem aí, seu Luiz? Uma senhora que passava, decerto vizinha, deu voz a minha curiosidade. Eu disfarcei e parei. Até me assustei com ela falando tão ao meu lado. Não notei sua aproximação. É um pardal, ele respondeu. Pardal! Admirou-se ela, ajeitando o xale preto. Sim, disse ele, boca sem dentes, rostinho magro e enrugado do jeito máximo que se possa imaginar. Sabe o que foi, ele seguiu. A voz mansa parecia de alguém mais jovem. É que esse coitadinho apareceu aqui no quintal com uma asinha machucada. Só tô cuidando dele até ficar bom. Depois solto. Ah, admirou-se outra vez a vizinha, entediada. Aproximou-se do portão. Abriu-o com agilidade. Espichou a cabeça erguendo os óculos para ver melhor o pássaro. Nossa, a asinha tá bem machucada mesmo, observou. Fez cara de dor. Se depender de mim, sara. Disse o velho sorrindo. A boca era sem dentes, o rosto enrugado a não poder mais; mas o riso era esplêndido, cândido, de anjo. Coisas assim passam despercebidas da gente, mas do roubo na Alvinópolis ninguém para de falar. Só a menina do 201 já me contou três vezes, e em detalhes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário