O padre falou, falou; de joio, de trigo. Que temos em
nós os dois, tudo junto, misturado. Enquanto dormia o homem bom, o vizinho mal
lhe derramou joio à plantação. O maestro, ao meu lado, ouvia silente. Tão
religioso. Olhos encharcados, sentidos. Coitadinho do homem bom; era trigo que
deveria colher. Mas era sábio, deixaria tudo crescer. O joio parece igual, mas
é diferente. Cresce mais, tem talo mais duro. Com os dois maduros se arrancaria
o joio, que então seria lançado às chamas. Apenas então haveria trigo colhido.
Temos que buscar o bem, o trigo em nós. Lançar o joio às chamas. O olho do
maestro brilhava. Emocionava-se ao pensar no joio queimando. Pensou lá no mal
vizinho sendo queimado junto, vivo. Até apertou os dentes como assim o lançasse
ainda mais às profundezes das chamas. Sem bem perceber gostou daquilo, de
sentir quase esmagando a cabeça do malvado. O padre parou de falar. O pessoal entrou
a cantar. Um pessoalzinho simples de tudo, cantando desencontrado. Um
violãozinho desafinado. O maestro sorriu, balançou a cabeça. Cochichou com um,
estão muito desafinados; com outro, e fora do tom; e com outro ainda, e tem
problema de métrica também. Assim não dá, assim não dá, disse em voz quase
alta, testa franzida, batendo o indicador de uma mão no banco da frente como
fosse baqueta. Pensei, aquelas pessoas simples, por bondade pura, ali faziam
sua obra, o seu melhor. Lançavam o seu trigo pela harmonia da celebração.
Estavam achando tão bonito. O maestro, que podia fazer melhor, nada fazia.
Apenas lançava joio ao campo de trigo deles, tentando lhes desbotar o trabalho.
Ali era ele o inimigo, mas não percebia. A Bíblia lhe era livro distante
demais. Embora o emocionasse não lhe trazia lições para o dia-a-dia. Quem sabe
as colheitas futuras lhe ensinassem qualquer coisa. Se sentindo no fogo decerto
perceberia que plantava joio ao invés de trigo.
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