Depois de vários dias de
chuva o dia amanheceu de sol. Saí descalço, pulando, sentindo o chão geladinho
e o cheiro da terra ainda molhada. Do meu embornal o Tio Otávio tirou um
formulário do censo de 1970, (meu pai foi recenseador e sobraram muitos
formulários). Dobrou, dobrou, redobrou, tridobrou. Com esmero reforçou cada
vinco, especialmente o bico. Abriu a peça como fosse leque. Conferiu as asas. Alinhou. Balanceou. Fez
com uma mão como fosse lançar uma lança. Enfim lançou como lançasse uma lança.
O aviãozinho voou, voou. Sobre a casa, o abacateiro, a estrada. Correu uma
brisa. As folhas do abacateiro se agitaram chiado. O aviãozinho foi alçado às
alturas. Meus olhos brilharam. O tio Otávio pôs uma mão tesa na testa e
diminuiu os olhos, para ver melhor. O avião ia como fosse desenhando montanhas
no ar. Voou sobre o pasto de bezerros, o corregozinho da divisa, o morro da
usina, o pinheiro. Eu bati palmas pulando. Senti meus cabelos lisos me batendo
a testa. Os olhos do tio Otávio também brilhavam. Voou sobre o campinho, a
pedra da curva, as laranjeiras. O Jaú deixou as galinhas e pulou tentando
alcançar o aviãozinho. Não conseguiu. No pulo esquisito atrapalhou-se e quase
caiu. O padrinho Braz sorriu. Cachorro bobo, ainda disse. O tio Otávio também bateu
palmas. Sorria e sorria. O aviãozinho seguiu, embora já perdesse forças. Foi pousar mansamente
no jardim de roseirinhas da madrinha, assustando uma corruíra que fazia ninho
por ali. Duvido que algum outro formulário do censo de 1970 tenha sido mais bem
utilizado.
Me fez lembrar o cotidiano do interior. Anos que não ouço ou vejo a palavra "embornal". muito bom
ResponderExcluirGrato por ler, Elis. Abraço.
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