terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A VIZINHA DA VIZINHA DA CASA COR-DE-ROSA

Ela varria e varria a calçada de frente a sua casa. A vizinha da casa cor-de-rosa não varria tão bem sua calçada; mas sua casa cor-de-rosa era tão bonita. Cor tão viva, jardim tão harmonioso, varanda tão arejada.

O chão já estava limpo, muito limpo; mas mesmo assim a vizinha da vizinha da casa cor-de-rosa continuava varrendo. Chegou o vizinho da casa cor-de-rosa num fusca azul da cor do céu. A vizinha brincou: “comprou?” Ela achou que fosse emprestado. Ele disse: sim, comprei. Ela se engasgou.  Um susto, de repente. Pigarreou, tentou sorrir. Disse apenas “a vizinha vai gostar”. No “tar” do gostar ela fez como escarrasse.

Ato contínuo ela entrou agitada, cega, uma coceira no corpo inteiro, um abafamento. Os chinelinhos Havaianas estalavam à sola dos seus calcanhares. A vizinha ficaria feliz, sim, foi pensando. Num havia tempo comprara TV em cores. Geladeira já tinha há muito. E agora automóvel. O que mais quereria. Viu o filho, roupinha velha, assistindo desenho na TV preto e branco. Ralhou com ele por entre os dentes. “O que foi”, disse o menino. “Vai pentear esses cabelos”, disse com raiva; e insistiu mesmo a alegação dele de que já havia se penteado. O "vai já" dela pareceu latido.

Já ao quintal notou o gato da vizinha da casa cor-de-rosa debaixo do seu limoeiro. Ele sempre vinha ali. Nunca a incomodou. Mas naquela manhã, incomodou. Uma coisa ruim lhe veio à garganta, uma cegueira estrangulada. Desferiu uma vassourada contra o gato. Um golpe violento. Que ódio. Que ódio. Mas ele se safou. Fugiu. Ela bateu para matar. Errou.

Depois ela entrou sem entender direito porque de repente a manhã lhe parecia tão sem perfume, azeda. Pensou ouvir risos entre palmas da vizinha da casa cor-de-rosa. Bem aí o nublado ao peito transformou-se em acidez exagerada lhe excedendo ao estômago, tornando-se queimação incendiaria. Ainda pensou, “oh, meu Deus. O que será com meu estômago. Acho que não devia ter tomado tanto café.”

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