
Ato contínuo ela entrou agitada, cega, uma coceira
no corpo inteiro, um abafamento. Os chinelinhos Havaianas estalavam à sola dos
seus calcanhares. A vizinha ficaria feliz, sim, foi pensando. Num havia tempo
comprara TV em cores. Geladeira já tinha há muito. E agora automóvel. O que
mais quereria. Viu o filho, roupinha velha, assistindo desenho na TV preto e
branco. Ralhou com ele por entre os dentes. “O que foi”, disse o menino. “Vai
pentear esses cabelos”, disse com raiva; e insistiu mesmo a alegação dele de
que já havia se penteado. O "vai já" dela pareceu latido.
Já ao quintal notou o gato da vizinha da casa
cor-de-rosa debaixo do seu limoeiro. Ele sempre vinha ali. Nunca a incomodou.
Mas naquela manhã, incomodou. Uma coisa ruim lhe veio à garganta, uma cegueira
estrangulada. Desferiu uma vassourada contra o gato. Um golpe violento. Que
ódio. Que ódio. Mas ele se safou. Fugiu. Ela bateu para matar. Errou.
Depois ela entrou sem entender direito porque de
repente a manhã lhe parecia tão sem perfume, azeda. Pensou ouvir risos entre
palmas da vizinha da casa cor-de-rosa. Bem aí o nublado ao peito transformou-se
em acidez exagerada lhe excedendo ao estômago, tornando-se queimação
incendiaria. Ainda pensou, “oh, meu Deus. O que será com meu estômago. Acho que
não devia ter tomado tanto café.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário