O chão já estava limpo, muito limpo; mas mesmo
assim a vizinha da vizinha da casa cor-de-rosa continuava varrendo. Chegou o
vizinho da casa cor-de-rosa num fusca azul da cor do céu. A vizinha brincou: “comprou?”
Ela achou que fosse emprestado. Ele disse: sim, comprei. Ela se engasgou. Um susto, de repente. Pigarreou, tentou
sorrir. Disse apenas “a vizinha vai gostar”. No “tar” do gostar ela fez como
escarrasse.
Ato contínuo ela entrou agitada, cega, uma coceira
no corpo inteiro, um abafamento. Os chinelinhos Havaianas estalavam à sola dos
seus calcanhares. A vizinha ficaria feliz, sim, foi pensando. Num havia tempo
comprara TV em cores. Geladeira já tinha há muito. E agora automóvel. O que
mais quereria. Viu o filho, roupinha velha, assistindo desenho na TV preto e
branco. Ralhou com ele por entre os dentes. “O que foi”, disse o menino. “Vai
pentear esses cabelos”, disse com raiva; e insistiu mesmo a alegação dele de
que já havia se penteado. O "vai já" dela pareceu latido.
Já ao quintal notou o gato da vizinha da casa
cor-de-rosa debaixo do seu limoeiro. Ele sempre vinha ali. Nunca a incomodou.
Mas naquela manhã, incomodou. Uma coisa ruim lhe veio à garganta, uma cegueira
estrangulada. Desferiu uma vassourada contra o gato. Um golpe violento. Que
ódio. Que ódio. Mas ele se safou. Fugiu. Ela bateu para matar. Errou.
Depois ela entrou sem entender direito porque de
repente a manhã lhe parecia tão sem perfume, azeda. Pensou ouvir risos entre
palmas da vizinha da casa cor-de-rosa. Bem aí o nublado ao peito transformou-se
em acidez exagerada lhe excedendo ao estômago, tornando-se queimação
incendiaria. Ainda pensou, “oh, meu Deus. O que será com meu estômago. Acho que
não devia ter tomado tanto café.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário