O
papai entrou na política por amor. Amor às pessoas, a sua terra. A vontade de
ajudar. Era vocação, não ambição. Tornou-se vereador num tempo em que o cargo
não dava um centavo sequer. Pelo contrário: a prefeitura era pobre de tudo, e
muitas vezes os próprios vereadores faziam vaquinha para atender uma
necessidade, resolver um aperto, comprar o que fosse preciso para alguém.
Tempos
depois, mudou-se a regra. Passaram a receber um valor apenas nos dias de
reunião, o equivalente ao que custaria contratar alguém para trabalhar na roça
enquanto o vereador estava na Câmara. E assim o papel ganhou, pela primeira
vez, algum pagamento simbólico. Papai foi vereador por três mandatos, e por
dois deles presidiu a Câmara. Tinha esse dom de resolver problema comunitário,
de ser ponte entre a necessidade e a solução. Mas, como ele mesmo dizia, a
maior bobagem que fez foi se candidatar a prefeito.
Ele
não se encaixava no perfil que a população esperava. Porque, embora falem muito
mal dos políticos, poucos percebem que o político é como uma planta que cresce
no tipo de solo que o alimenta. E o solo, ali, tinha suas próprias marcas: a
população também é “interesseira”, pouco afeita ao senso coletivo. Muitos
buscavam vantagem pessoal, não apenas a melhora natural que se espera de uma
boa administração, mas favores diretos: um emprego para si ou para o filho, um
dinheiro extra disfarçado de ajuda para reformar a casa, ou até para visitar um
parente distante.
E
papai não era desse tipo. Um dia, alguém disse abertamente a ele (e não é
exemplo inventado, é fato) que por isso ele não ganharia. Que não queria “abrir
a carteira”. Papai não estava disposto a jogar esse jogo. Não era pão-durismo,
era princípio. Ele não via a política como um campo para apostar muito dinheiro
e colher muito mais. Ao contrário: para ele, entrar na política era abrir mão
de cuidar das próprias coisas para cuidar da coisa pública. Era até capaz de
sair mais pobre do que entrou.
Ele
queria fazer algo diferente, de coração aberto. Cuidar da coisa pública como
quem cuida de uma roça, plantando com paciência e acreditando que, no tempo
certo, viria o fruto, e que esse fruto seria coletivo. Não pensava no agora,
nem no que poderia ganhar pessoalmente. E falo de salário, pois ganhar “por
fora” era fora de cogitação para seu perfil impoluto e sério, embora as
oportunidades para isso sejam muitas para quem administra a coisa pública.
Mas
a lógica de muita gente era outra: pensavam que, se ele estava entrando,
ficaria rico, e que essa era também a chance deles de “ganhar uma coisinha”, de
aproveitar a hora em que o candidato vinha pedir o voto. Não percebiam que, vez
ou outra, surgem políticos com intenções verdadeiramente diferentes. Só que,
para enxergá-los, seria preciso que o coração da população estivesse voltado
para outro tipo de valor. E ali, infelizmente, muitos estavam com o coração
voltado para outras coisas.
As
pessoas, sem entendimento, não percebem quando chega alguém diferente. É como
se houvesse uma maldadezinha no olhar, um filtro que faz enxergar tudo pela
maldade da política. E é nessa terra viciada que germinam os maus políticos:
aqueles que fazem promessas, dão benefícios pessoais, desviam a coisa pública
para fins particulares, seja para o eleitor, seja para si mesmos.
O
papai não foi compreendido. Como ele, há muitos. Entrou na política na década
de 90 e perdeu. Depois, na eleição seguinte, entrou de novo, atiçado por uns, e
perdeu outra vez. Da mesma forma, entrou com as melhores intenções. Entendeu
que o povo podia ter amadurecido desde os quatro antos da outra eleição. Mas a
maioria seguiu sem entender a proposta dele. Claro que houve quem entendesse,
sim, afinal, recebeu muitos votos. Mas falo da maioria. E essa maioria, além de
não compreender, ainda no dia da eleição e posteriores, ao ver que papai,
provocavam. “Caçoavam”, com dizem lá. Houve quem tivesse tempo e capacidade de
ir até a nossa roça, para, de longe, escondidos nos pontos mais altos, soltar
foguete para provocá-lo, como se quisessem feri-lo.
Ele
sorria, não de deboche, mas, da incompreensão deles. No fundo isso doía, porque
ele fez campanha limpa. Não afrontou ninguém, não provocou ninguém para merecer
tal tratamento.
Dias
atrás ainda perguntei: “Se fosse para fazer tudo de novo, o senhor faria?” Ele
pensou e respondeu: “Ah, não sei, não. Para prefeito, eu não entrava.” Essa
lembrança deixou nele um certo arrependimento. Porque a política, para quem
entra com o coração limpo, não é nada fácil.
Às
vezes, meus conterrâneos brincam comigo, sugerindo que eu entre para a política
em Consolação. Seria um bis in idem: comigo aconteceria o mesmo que aconteceu
com o papai, porque sou exatamente como ele. Entraria de coração puro, cheio de
boas intenções, disposto a colocar toda a minha criatividade e capacidade
inventiva para buscar soluções coletivas, administrando como se o todo fosse
uma única coisa, sem dividir entre quem votou em mim e quem votou no outro.
Mas,
com o papai, já vimos que isso não deu certo. Esse foi o arrependimento da vida
dele e eu não quero que seja o da minha. Por isso, fico quieto, de fora. É uma
pena, porque às vezes sinto o chamado, como ele sentiu. Sinto a vocação. Mas,
enfim, as pessoas estão querendo outro tipo de política. Que essa coisa, então,
fique fora da minha vida.
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