sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Política em Terra Viciada

O papai entrou na política por amor. Amor às pessoas, a sua terra. A vontade de ajudar. Era vocação, não ambição. Tornou-se vereador num tempo em que o cargo não dava um centavo sequer. Pelo contrário: a prefeitura era pobre de tudo, e muitas vezes os próprios vereadores faziam vaquinha para atender uma necessidade, resolver um aperto, comprar o que fosse preciso para alguém.

Tempos depois, mudou-se a regra. Passaram a receber um valor apenas nos dias de reunião, o equivalente ao que custaria contratar alguém para trabalhar na roça enquanto o vereador estava na Câmara. E assim o papel ganhou, pela primeira vez, algum pagamento simbólico. Papai foi vereador por três mandatos, e por dois deles presidiu a Câmara. Tinha esse dom de resolver problema comunitário, de ser ponte entre a necessidade e a solução. Mas, como ele mesmo dizia, a maior bobagem que fez foi se candidatar a prefeito.

Ele não se encaixava no perfil que a população esperava. Porque, embora falem muito mal dos políticos, poucos percebem que o político é como uma planta que cresce no tipo de solo que o alimenta. E o solo, ali, tinha suas próprias marcas: a população também é “interesseira”, pouco afeita ao senso coletivo. Muitos buscavam vantagem pessoal, não apenas a melhora natural que se espera de uma boa administração, mas favores diretos: um emprego para si ou para o filho, um dinheiro extra disfarçado de ajuda para reformar a casa, ou até para visitar um parente distante.

E papai não era desse tipo. Um dia, alguém disse abertamente a ele (e não é exemplo inventado, é fato) que por isso ele não ganharia. Que não queria “abrir a carteira”. Papai não estava disposto a jogar esse jogo. Não era pão-durismo, era princípio. Ele não via a política como um campo para apostar muito dinheiro e colher muito mais. Ao contrário: para ele, entrar na política era abrir mão de cuidar das próprias coisas para cuidar da coisa pública. Era até capaz de sair mais pobre do que entrou.

Ele queria fazer algo diferente, de coração aberto. Cuidar da coisa pública como quem cuida de uma roça, plantando com paciência e acreditando que, no tempo certo, viria o fruto, e que esse fruto seria coletivo. Não pensava no agora, nem no que poderia ganhar pessoalmente. E falo de salário, pois ganhar “por fora” era fora de cogitação para seu perfil impoluto e sério, embora as oportunidades para isso sejam muitas para quem administra a coisa pública.

Mas a lógica de muita gente era outra: pensavam que, se ele estava entrando, ficaria rico, e que essa era também a chance deles de “ganhar uma coisinha”, de aproveitar a hora em que o candidato vinha pedir o voto. Não percebiam que, vez ou outra, surgem políticos com intenções verdadeiramente diferentes. Só que, para enxergá-los, seria preciso que o coração da população estivesse voltado para outro tipo de valor. E ali, infelizmente, muitos estavam com o coração voltado para outras coisas.

As pessoas, sem entendimento, não percebem quando chega alguém diferente. É como se houvesse uma maldadezinha no olhar, um filtro que faz enxergar tudo pela maldade da política. E é nessa terra viciada que germinam os maus políticos: aqueles que fazem promessas, dão benefícios pessoais, desviam a coisa pública para fins particulares, seja para o eleitor, seja para si mesmos.

O papai não foi compreendido. Como ele, há muitos. Entrou na política na década de 90 e perdeu. Depois, na eleição seguinte, entrou de novo, atiçado por uns, e perdeu outra vez. Da mesma forma, entrou com as melhores intenções. Entendeu que o povo podia ter amadurecido desde os quatro antos da outra eleição. Mas a maioria seguiu sem entender a proposta dele. Claro que houve quem entendesse, sim, afinal, recebeu muitos votos. Mas falo da maioria. E essa maioria, além de não compreender, ainda no dia da eleição e posteriores, ao ver que papai, provocavam. “Caçoavam”, com dizem lá. Houve quem tivesse tempo e capacidade de ir até a nossa roça, para, de longe, escondidos nos pontos mais altos, soltar foguete para provocá-lo, como se quisessem feri-lo.

Ele sorria, não de deboche, mas, da incompreensão deles. No fundo isso doía, porque ele fez campanha limpa. Não afrontou ninguém, não provocou ninguém para merecer tal tratamento.

Dias atrás ainda perguntei: “Se fosse para fazer tudo de novo, o senhor faria?” Ele pensou e respondeu: “Ah, não sei, não. Para prefeito, eu não entrava.” Essa lembrança deixou nele um certo arrependimento. Porque a política, para quem entra com o coração limpo, não é nada fácil.

Às vezes, meus conterrâneos brincam comigo, sugerindo que eu entre para a política em Consolação. Seria um bis in idem: comigo aconteceria o mesmo que aconteceu com o papai, porque sou exatamente como ele. Entraria de coração puro, cheio de boas intenções, disposto a colocar toda a minha criatividade e capacidade inventiva para buscar soluções coletivas, administrando como se o todo fosse uma única coisa, sem dividir entre quem votou em mim e quem votou no outro.

Mas, com o papai, já vimos que isso não deu certo. Esse foi o arrependimento da vida dele e eu não quero que seja o da minha. Por isso, fico quieto, de fora. É uma pena, porque às vezes sinto o chamado, como ele sentiu. Sinto a vocação. Mas, enfim, as pessoas estão querendo outro tipo de política. Que essa coisa, então, fique fora da minha vida.

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