quinta-feira, 8 de agosto de 2024
MOMENTO MÁGICO
terça-feira, 14 de maio de 2024
vinde a nós
O dia novo chegou com naturalidade. Manso, cheio frescor. Umas nuvens ralas pareciam véus colados ao vítreo azul céu. Dizem que esse azul é ilusão. Que a luz solar ao atingir nosso ar dispersa suas cores e a cor melhor refletida seria o azul. Que não tem nada azul aí em cima, se formos olhar bem. Acho que não importa. O que parece valer é que vemos esse azul e nos maravilhamos com ele. Uns pintassilgos comiam sementes de capim dependurados nuns ramos dourados. Das chaminés tuchos de fumaças subiam em vórtice, em sinal de vida ali. Uns meninos já brincavam com uns filhotinhos de gato, num alarido efusivo de risadinhas. O hábito do sol novo já alcançava docemente aquele lugar cercado de montanhas arredondadas. Não obstante, formigas ainda conseguiam beber água das bolotas de orvalho nas folhas de capim-gordura.
Pela janela, um homem grisalho espreitava o mundo. Desde a tarde da véspera ele vinha incomodado com aquele cantar ardido dos canarinhos. Ele achou tédio até no ramalhar dos galhos da figueira. Supôs que a tarde choveria. Cresceu os olhos para ver melhor as nuvens como véus entrelaçados ao azul do céu. Cresceu também os buraquinhos das narinas para sentir o cheiro daquele dia. Nada de novo. Achou o cheiro de café enjoativo. Na véspera o céu começou igualzinho e a tarde choveu. Que barulheira daquelas crianças! O homem pensou, enrugou a testa. Entre ele e elas havia um abismo. Um bando de rolinhas partiu de bem debaixo de sua janela, repicando asas de um jeito agitado. O homem assustou-se. Experimentou no cérebro o trepidar tremido daquele rumor, como um açoite por dentro. Ele amaldiçoou as rolinhas, os canarinhos. Amaldiçoou até as crianças, com risos insuportáveis. Ele coçou tão forte umas das bochechas que até a riscou, num arranhão. Ele blasfemou. Fechou as cortinas da janela com violência. Afundou-se às penumbras da casa.
Para ver o belo, a
alegria, a luz, enfim, o novo; é preciso estar no agora. Estar plenamente no
agora. Estar todinho no agora. Sem pré-ideias. Apenas o novo vem no fluxo da
vida. O ramalhar da figueira está nesse fluxo. O pensamento é tempo e o tempo é
ontem. Nossas ideias e conceitos decorrem do que vimos antes do agora-pleno. É
ilusão, como achar que o céu é azul. Nosso entendimento é pura re-ação.
Regurgito do já visto. Vivemos na reatividade. Na re-ativação de emoções. Mesmo
o agora, o agora-pleno, não trazendo em si fatos exatamente coincidentes aos
que geraram o entendimento, levantamos interpretações plenas de convicções de
que seja o que pensamos que é. Puro pecado. Erro de alvo. Para ver o agora como
ele é, temos que ser o novo, o simples. Os meninos com os gatos, por exemplo,
não pensam neles mesmos ali naquela alegria. Há comunhão entre eles e os gatos,
entre eles o chão, entre eles e a luz. Enfim, há unidade entre eles e todo o
resto como tudo fosse uma nuvem. Estou querendo dizer que eles não estão
pensando assim: este sou eu, este é o gato, esta é a manhã. Não. Eles
experimentam ali uma sensação. Eles são essa sensação. Há um desligar-se do eu
que são (ou que pensam ser). E é assim que tem que ser. Se nos isolamos no eu,
somos o tempo, o fora do agora, o velho. Galhos cortados do tronco sofrendo
pela falta da seiva. As crianças vivem fácil nesse pleno agora. Nesse frescor
livre do ontem o dos nossos achismos. Vinde a nós as criancinhas. Ou melhor,
vinde a nós “a criancinha”. Ou melhor ainda, vinde a nós o nosso eu-criancinha.
terça-feira, 9 de abril de 2024
DESVER
um amigo sempre me dizia capaz de desver
desvia o que queria ou mió que não queria
se arguém desrrecolhia desamor ele atinava
que se o tal desesquecesse quem era
saberia que sua gema era destreva
entonces desmudaria o achismo e desaborreceria
se argum outro o deselogiasse
ele logo atinava em desvirtude de coração
daí a descoisa era descapacidade
amssim o amigo ia desarrumando
despraticando desvendo desjulgando
antão se desaborrecia
sempre desvendo pra desofrer
hoje estou precisado dessa lição
quarta-feira, 3 de abril de 2024
toque
A ponta dos meus dedos
Namoram seus cabelos
Já foram tantas vezes um
Em borboletas vermelhas
Pássaros azuis
Em água de fundo mar
Poeira de estrelas e cristais
Tanta intimidade nesse apelo
A ponta dos meus dedos
Seus cabelos
Paraísam-se
Precisam-se
Como se fazem bem
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Coisas da estrada
quarta-feira, 31 de janeiro de 2024
DISTÂNCIA
Disse que eu não era pra ela
“Será algo errado comigo?”
Pensei. Isso lá por 1985
Na semana passada, o reencontro
Ela me olhou novamente, olhou
Uns olhos de gata assustada
Eu não disse nada, nadinha
Ela também não
Decerto ainda pensou
Que não sou pra ela
Concordei
É SOBRE O CORDÃO VERMELHO
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
INSÓLITO
por causa da sengracice dos dias
minhas criacionices eram mais com os lápis
de cor alegradores das minhas horas
amigos lá a gente tinha pouco
brinquedos praticamente nada
então era assim quase tudo invencionado
sei do meu traço de esquisitura
lá espiando passarinhos entre laranjeiras
chamavam me mentiroso por dizer que
entendia a linguagem das corruíras
é que o cheiro do orvalho
tinha poder de me passarinhar
e aí eu abria os ouvidos além
daqueles dois que todo mundo tem
tinha outra também
embora eu não confiasse aos outros
acontecia que eu gostava de
sentir o gosto das cores
e dos sons também
e dos sons eu ainda imaginava formas
era assim como formas dentro
de uma caixa dourada dentro do pensamento
com um buraco para gente despuxar as mãos
então pondo uma mão sem ver
eu sentia o macio o áspero o pontudo
o gelado tudo tudo em combinação
com o som tinha um apalpamento do som
fechava os olhos e vinha algo
era só esperar um tiquinho que vinha
como um quadro vivo cheio de cores
girando girando girando
como cores de energia
as figuras nunca se repetiam
outra vez diziam ser mentira minha
mas não era gente juro
era a língua de Deus e
assim Ele conversava
comigo com essas cores
em vórtices girando girando
quando eu fingia que uma caixeta era um barquinho
avançando num mar bravio em minha visualização
eu aventurava até ouvir os gritos de euforia e medo
das formigas tripulantes
fora do espaço/tempo não acesse vividos
por nossos ancestrais
nas cascas das árvores eu via mirabolâncias
as vezes até mostrava para os primos
era inútil ninguém via
eu até passava para o papel para verem
eu por mim não teria imaginacionice de desenhar
por exemplo uma briga daquelas de raposas
mas outra vez duvidavam de mim
eu tinha que combiná-los direitinho
o tanto certo de cada cor para o sol se revelar
por que aí eu revelaria seu segredo
mas dessegredo que nunca amontei direitinho esse sol
só me vieram sois falsos
eu pensava que as flores e as folhas eram borboletas
que para descansar se disfarçam de planta
num outono um vento desligou um bocado das folhas
da velha paineira lá a boca do abismo
eram canários pardos disfarçados
que reavivados saíram voando
eu vibrei
confesso que não avancei muito em minha maturidade
desde aqueles dias vejo muita coisa invertida
as pessoas vão saindo da infância e no automático
se adultecem sem perceber
de algum modo aos cinquenta eu ainda resisto
ainda prego coloridos ao canto dos pássaros
inequívoco que as vezes atino que eu seja louco
mas tem hora desconfio que loucos são os outros
pondo a culpa sempre em algo fora
sem atinar perseguem bolhas de sabão
até hoje não acho graça na realidade
que para mim na verdade não é realidade
é só uma coisa que enxergam igual
um sengracismo sem tanto hipnose
são canários pardos entre folhas secas
embora todos concordem ser folhas secas
gosto de prosear com vagabundos e loucos
honrando os traços de inutilidade que trago desde cedo
concordamos que não vale a pena perder
tempo com o passageiro
se o Manoel de Barros fosse um menino
contemporâneo meu lá na roça
é capaz que fôssemos amigos íntimos
Pintura: Reinaldo Lima
sexta-feira, 5 de janeiro de 2024
AGORA
AGORA
Chegou 2024. Chegou o ano que vem. Meu pai sempre falava (fala ainda), no ano que vem isso, no ano que vem aquilo. Nunca gostei. Risos.
HOJE. Deus está no agora. Se estou com a cabeça no passado ou no futuro, estou sem Deus. Ele está no agora. Ele é agora. É agora que os oceanos se movem. Que os peixes nadam. Que os pássaros voam. Agora.
A laranja do futuro será laranja se agora a seiva certa for enviada a flor, a luz adequada do sol envolvê-la, a vespa ou o vento fizerem seu trabalho de polinização.
O viço vivo está sempre no agora. A nosso compromisso (semeadura) deve ser com o agora. Então vamos firmes. O que chamamos “tempo do Senhor” trará o fruto maduro.
A questão é plantar e soltar. E não ficar na expectativa para o futuro, sobre quando virá. Não. A Glória está no agora onde o Pai é conosco e então temos tudo o que precisamos, enquanto as sementes espirituais operam.
Eu e o Pai somos um. Onde estou é Terra Santa. Devemos olhar agora sem as sombras do passado e sem as expectativas gasosas para o futuro.
Se me vem que devo estudar para no futuro melhorar minha remuneração. Não bem caso de futuro. Devo estudar agora. Devo me inscrever no vestibular agora. Devo me preparar agora.
É no agora que está o calor da vida, a força da mudança. A unção do Pai
Um 2024 cheio de agora para nós.