quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Risadões

Por aquele tempo em que eu morava em Cambuí, estive algumas vezes de férias na casa da minha tia Zilda, na Estiva. Seria entre 1978 e 1981. Era uma alegria. A casa tão cheia de flores. Flores por dentro e ao redor. Flores até nas blusas da tia. Muita comida boa, falatório alto e vivo, risadões. Ele me disse que mamãe “era como era” porque em criança ferveram um favinho de mel de marimbondo para tratar de uma asma dele. E que não viram; mas ao desvelo dos adultos, mamãe engoliu um marimbondo, que desde então mora na cabeça dela. Que quando ele cutuca, minha mãe marimbondeia (ou seja, sobra exageradamente brava com qualquer coisinha). Ela Sorria, eu sorria. Com os risadões dela congelados em minha mente eu ia para o pomar, envolvido com laranjas, passarinhos e caramujos. A tia me chamava quase de hora em hora. Queria que eu comesse. Eu agradecia, dizia-me satisfeito. Ele falava que criança não pode passar fome. Aliás, que ninguém pode passar fome, completava. Eu sorria, ela sorria. Eu voltava para o pomar dos caramujos. Ela perguntava o que eu tanto fazia lá. Como que eu ia explicar para ela que o pomar, tão afeito a terra, era-me mágico, com capacidade de abrir-me para outra dimensão. Eu apenas dizia: nada não, tia. Ontem mamãe ligou-me, emocionada. Disse que a tia partiu. Senti-me cortado de uma secura fria. O corpo da tia vai-se para o reino da terra, mas o perfume dela não. Será para onde ela vai haverá comida da boa? Ou será um muito melhor? Risadões certamente haverá. (Os risadões dela ecoam-me até hoje, misturados a uma lembrança de cheiro de terra fresca). A tia merece tudo que vier da luz. Merece uma dimensão muito, muito mais agradável do que é para uma criança um pomar sombreado repleno de laranjas, pintassilgos e caramujos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário