sexta-feira, 16 de maio de 2025

sol tangerina

Minha mãe me pediu, era bem cedinho.
Meu filho, vá na casa do Candiquinho
Soube que já tem, busque tangerinas.
Dizem que os pés estão carregadinhos
 

Ela bordava, em ponto corrido 
num pano teso no bastidor antigo 
Um menino correndo ladeira abaixo 
debaixo de um sol grande e vermelho
 
Parti pela estrada dos meus verdes dias
Meus pés gostavam da terra fria
Marcavam o úmido pela chuva de ontem
como quem assinava a infância 
 
O Tio Lauro apareceu na sua mula. 
Te cuida menino, viram onça no altão. 
Vi a cartucheira no arreio da mula.
As palavras de tio foram-me trovão. 
 
Em coragem miúda, busquei a volta
soltei três pedrinhas no bolso
no caso de precisão, combinariam
com meu estilingue no pescoço
 
Minha mãe me pediu, 
minha mãe me pediu… 
Repeti, repeti, como reza, 
como feitiço contra o medo. 
 
Corri pra chegar logo no Candiquinho
Logo atravessou-me uma claridade absurda
Senti-me o menino do bordado de mamãe,
Morro a baixo e debaixo do sol tangerina
 
A frase “minha mãe me pediu” derreteu-se
E medo algum cabia mais na cabeça minha
a leveza do meu corpo era quase de flutuar
debaixo daquele sol tangerina
 
Eu corria e o vento corria comigo
Saudei os canários e os pintassilgos
como gotas de luz dependurados
nos pés de capins dourados
 
pássaros-pretos em aberta revoada
pros lados da casa da madrinha
Pareciam atravessados 
da mesma claridade minha
 
Ah, como são limpos os meninos.
Por enfeite, estilingue no pescoço
Nos olhos a Centelha dos Céus
sem saber, o Paraíso no bolso

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