quinta-feira, 29 de maio de 2025

PAI-OCEANO

 

Um peixinho ouviu, certa vez, de seu avô
que o oceano fizera tudo, num ato de amor.
Tudo vinha do pai-oceano. O fundo, a maré,
Fizera tudo em sete dias, com justeza e fé.

Ouviu que o oceano era fonte e abrigo,
e que um dia, ao morrer, seria contigo.
Seria um com o ele, profundo e sereno,
num lugar encantado, eterno, ameno.

O peixinho passou a orar, peito aberto,
pelo pai invisível, imenso, encoberto.
Vivia na graça, nadava feliz, fazia o bem,
por amor aquele mistério místico e além.

Mas risos surgiram, vozes de escárnio:
“Peixinho, não sonha! Isso é imaginário.
Oceano é invenção dos velhos, fábula vã,
o que existe é só água, algas e grão.”

Ele nem ouvia, seguia, notando o azul:
De onde viria aquela dança tão sutil?
Quem lhe deu o que sempre precisou?
Senão o oceano, o pai que a tudo criou?

A espera do grande dia ia-se os anos
Encontrar o peixe-pai de nome oceano
Não queria provar, nem convencer,
só queria um dia entender e ver.

E quando, enfim, findou sua jornada,
sua nadadeira cansada, calada,
dizem que foi, num brilho profundo,
mergulhar no ventre do mar sem fundo.

E descobriu, sem dor, sem engano,
que sempre nadara...
dentro do pai Oceano.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

sol tangerina

Minha mãe me pediu, era bem cedinho.
Meu filho, vá na casa do Candiquinho
Soube que já tem, busque tangerinas.
Dizem que os pés estão carregadinhos
 

Ela bordava, em ponto corrido 
num pano teso no bastidor antigo 
Um menino correndo ladeira abaixo 
debaixo de um sol grande e vermelho
 
Parti pela estrada dos meus verdes dias
Meus pés gostavam da terra fria
Marcavam o úmido pela chuva de ontem
como quem assinava a infância 
 
O Tio Lauro apareceu na sua mula. 
Te cuida menino, viram onça no altão. 
Vi a cartucheira no arreio da mula.
As palavras de tio foram-me trovão. 
 
Em coragem miúda, busquei a volta
soltei três pedrinhas no bolso
no caso de precisão, combinariam
com meu estilingue no pescoço
 
Minha mãe me pediu, 
minha mãe me pediu… 
Repeti, repeti, como reza, 
como feitiço contra o medo. 
 
Corri pra chegar logo no Candiquinho
Logo atravessou-me uma claridade absurda
Senti-me o menino do bordado de mamãe,
Morro a baixo e debaixo do sol tangerina
 
A frase “minha mãe me pediu” derreteu-se
E medo algum cabia mais na cabeça minha
a leveza do meu corpo era quase de flutuar
debaixo daquele sol tangerina
 
Eu corria e o vento corria comigo
Saudei os canários e os pintassilgos
como gotas de luz dependurados
nos pés de capins dourados
 
pássaros-pretos em aberta revoada
pros lados da casa da madrinha
Pareciam atravessados 
da mesma claridade minha
 
Ah, como são limpos os meninos.
Por enfeite, estilingue no pescoço
Nos olhos a Centelha dos Céus
sem saber, o Paraíso no bolso

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Vereda em Oração

Pondera a vereda de teus pés, 
não pises no mundo como quem dorme 
ouve o chão, pois ele fala, 
e a trilha responde ao que tu és.
 

Cada passo é um voto silencioso 
no rumo que teu ser escolhe ser; 
não há caminho que brote à toa, 
há um destino em cada mover.
 
Cuida bem de tua marcha, 
aquieta o ímpeto de ir por ir; 
sê como rio que curva e canta, 
mas nunca deixa de seguir.
 
Que teus pés saibam onde pisam, 
e tua alma, onde quer chegar; 
os caminhos se fazem claros 
quando o coração sabe esperar.
 
Vereda é verbo em oração, 
um traço sagrado do caminhar. 
Ordena teus dias como quem planta 
e deixa o céu o fruto dar.
 
Baseado no Provérbio 4:26: "Pondera a vereda de teus pés, e todos os teus caminhos sejam retos."
 
D. Kirk 14/05/2025