quarta-feira, 28 de abril de 2021

Meu Pequeno Sol

No quarto da minha infância tinha uma janela daquelas de tábuas e tramela. Era azul, azul-céu, trespassada pelo furinho de um pequeno nó de madeira que se soltara. Alcançava o tamanho de um grão de milho. Quem sabe até menos. Por ele vazava para dentro dos frios da noite (muita vez até assoviava) e, nas manhãs, escorria uma gotinha de sol. Um pedacinho do sol-do-mundo que se desprendia e por ali se enfronhava. Vinha colar à parede do meu quarto, fazendo-se meu pequeno sol particular. A bolinha de luz assemelhava-se ao sol-do-mundo por ser redonda, por surgir de manhã; mas tinha um distintivo. Diverso do sol-do-mundo, ela surgia alta no céu do meu quarto, no forro ripado, e conforme o sol-do-mundo ia subindo, o meu solzinho ia descendo. Encantava-me. Por ele eu tinha ideia das horas. Teve uma vez que o encanto do dia-a-dia alcançou o êxtase. Foi da vez que aconteceu eclipse no sol-do-mundo. Acreditam que o meu solzinho imitou o pai dele e se revelou em eclipse também? Sim. Podem pesquisar, para ver se não é assim. Meu queijinho de mel na parede, naquele dia, mostrou-se mordido, como que faltoso de um gomo. Corri contar para mamãe quando meu solzinho ainda mal passava pelo quadro de Santa Luzia. Saiba que quando a bolinha iluminava a região da face de Santa luzia era por volta de 07h30. Minha mãe veio conferir. Gostou. Foi uma manhã de alegria. Semanas depois veio uma de tristeza. Meu pai apareceu com venezianas metálicas. Disse que era mais bonito, mais moderno. Tirou a janela de tábua. Matou meu solzinho. Essa foi uma daquelas raras vezes em que discordei do meu pai. Não me conformo até hoje.

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