terça-feira, 2 de junho de 2020

Delírios da quarentena

Minha mãe com meu pai na roça, perto de isolados em função da pandemia. Ela lhe pede para ir ao mercado para umas comprinhas, na Capela. Incluindo, alho. Pergunta-lhe se precisa anotar. Ele faz não com a cabeça, com veemência. - mas não me esqueça do alho, hein! Ela adverte. Meu pai endurece a boca. Não gosta que ela lhe sugira ser muito "esquecido". Voltando da cidade, meu pai deixa a caixa com as encomendas sobre uma mesa. Sai para ver uma vaca chegadinha. Dali a pouco, escuta - TADEEEEEEEEEEU! Ele levanta a cabeça de jeito a suspender a orelha direita, a que escuta melhor. Eleva as sobrancelhas. Que será que fiz de errado, pensa. - Tadeu, seu miolo mole. - Mamãe diz. Tem uma mão na cintura numa postura inquisidora. Meu pai cresce os olhos como dissesse "o que foi"? - Cadê o alho que falei que era o principal? Meu pai faz postura de susto. Olha para cima. Não se lembra de haver pedido o alho. Por que lá no mercado é assim. Você faz a encomenda. Sai para outras coisas. Eles colocam tudo numa caixa. Depois a gente pega a caixa. Ele não conferiu. Ele não lembra se pedir, mas tem certeza de que não conferiu. Ali, diante da minha mãe com os olhos injetados de eletricidade, ele pensa que era melhor ficar quieto. - Eh, Tadeu! Você parece criança. Não faz nada certo - mamãe diz. Sai pisando alto. Mais tarde meu se depara com ela usando alho no preparo do feijão. Ele chega mais perto, para conferir. Podia não haver alho no tempero do pilãozinho que ela socava. Mas havia. Ele sente. Ele puxa o ar. Minha mãe olha para ele, irritada, como dissesse o que foi? Ele olha para casquinhas de alho perto de taipa do fogão como asinhas de borboletas. Estica o beiço na direção delas. - é o alho que você comprou, - mamãe diz, voz contrariada. Meu pai desmancha a cara como dissesse “ué, mas eu trouxe então”? - A réstia apareceu aí, atrás da porta. - ela diz. - decerto que eu mesma tirei da caixa e pus, sem perceber. - Ela parece odiar aquilo que diz. - Também... é tanta coisa para eu fazer. Por que é tudo eu, tudo eu. - Ela diz, disparando as palavras - Até faço coisas sem ver. Essa maldita quarentena está me pondo louca, Tadeu! eu gosto de conversar, Tadeu. Conversar, entende. Você fica aí, com essa cara de mudo... meu pai sai sorrindo. Minha mãe morde os lábios. Ela detesta estar errada. Ainda mais numa situação de caduquice daquelas. Um canto de joão-de-barro que vem do pomar lhe parece gargalhada. Ela faz um chiste com a boca. Oh, diacho!

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