sábado, 10 de fevereiro de 2018

Lázaro Jose Crispim - o Lazo Doca

Imagina, nunca soube
o que é o amor dos pais
Fazia mais falta o da mãe
os perdeu tão cedo
Cresceu com sensação de só
De de-del-em-del
Não tinham paciência com ele
Não faz bem à criança o sentimento
de não ter com quem contar

Nos primeiros anos fechava os olhos
e tentava se alembrar dos pais
Não conseguia...
queria saber principalmente da mãe
Uma foto que fosse
Diziam que era linda
E ele a imaginava ainda mais linda

Conforme foi crescendo
foi desistindo de lhes rever os rosto
Até a imagem criada da mãe foi
se desbotando, distanciando, não se firmava
num olhar de mulher
decerto ali lhe influenciou
algo da busca pela mãe
sentiu o coração bater diferente

Mas um Baiano o quis matar
Era o marido da mulher mais velha
Foi preciso fugir. Imaginem, fugir
Não falo de humilhação
falo do medo, era criança ainda
um meninão com uns dezessete
Seu irmão Sulau, experiente
Disse briga não presta, menino
Se você perde, você perde
Se você ganha, você perde também
Acabou sozinho num lugar estranho
Era a terra dos pais, a ele, estranha
Sozinho numa roça, sem nada

Mas encontrou luz nos olhos de uma menina
um nome tão bonito, Aurora
Um ranchinho barreado, dois cômodos
Contudo cheiro das flores, café fresco
lenha crepitando em labaredas. Bolos quentes
Enfim o quente dos abraços
Amava envolver a jovem esposa
Quando tremia por medo dos esturros das onças

Tudo passou tão rápido.
Não dava para acreditar que se
passaram quarenta anos
E lá ele outra vez, só, viúvo
Acabou se unindo a uma mulher
mais jovem de nome Tereza
Pensou, agora não fico só; mas Ficou
Outra vez a sensação de sem ninguém
Outra vez o gelado

Com o correr dos dias, e como corriam
as ideias foram se desbotando
Teve uma questão de falta de dinheiro
Suas terras já havia doado aos filhos
O que vinha da aposentadoria
entrou numa onda de desencontros bancários
E também veio o golpe terrível
uma doença incurável
Que levará tantos dos seus ancestrais
mais solidão, mais frio
Um cavo fundo cada vez se afundando mais
Apertando, apertando, apertando-o

Era a solidão de criança muito empiorada
a esperança colocamos nos potinhos dos dias
que supomos vindouros
Mas se olhando nossa dispensa não vemos muitos potes...
A vida se desbota
Conforta-nos a ideia de um dia tudo poderá mudar
Se não há essa ideia...

Entrou a pensar na mãe outra vez
Numa certa noite insone
no mexe-remexe na cama
quase se alembrou do rosto dela
Não da imagem criada
mas da verdadeiro, a original
que viu dos três pra quatro anos de idade
No pouco que dormiu, sonhou com ela
Aí sim, era mesmo linda
Como pode havê-la se esquecido
Viu outra vez o brilho do olhar dela
Também sentiu dela o cheiro e o quente fofo do abraço
Ela naquele seu mais belo vestido, o vermelho sem mangas
Até ao que poderia ser luz ficou cego
Quis abraçar a mãe outra vez
Quando acordou, soube o que fazer

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