segunda-feira, 14 de abril de 2025

Compreensão do indizível

Às vezes estamos ali, 
no silêncio bom das coisas que não pedem nome, 
em comunhão com o que pulsa sem forma — 
um sentimento que não se anuncia, 
mas habita.
 
A brisa toca leve a pele da alma, 
e estamos com o vento, 
com o instante, 
com o voo dos que não pensam em cair.
 
Então alguém diz: 
“Fale-me sobre isso.” 
E tudo escorrega.
 
O que era leveza se enrijece. 
Tentamos moldar o que só existe porque flui. 
Empedramos o vento. 
Fazemos estátua do orvalho. 
Colhemos o perfume da flor e o prendemos 
num frasco sem jardim.
 
Há um pássaro no peitoril. 
Estamos tão perto — 
atrás da cortina tênue que nos separa. 
Vê-lo é ser parte. 
Mas ao tocar o pano, 
ao buscar a palavra, 
o pássaro se assusta. 
Foge. 
E só sobra a lembrança dura do que era voo.
 
Assim é tentar dizer o indizível. 
A palavra chega tarde, 
ou chega demais. 
E o que era comunhão vira relato. 
O que era dança vira desenho.
 
Porque estar junto do mundo, 
de verdade, 
não combina com explicar. 
Combina com estar. 
Só estar. 
Como quem respira. 
Como quem ama. 
Sem precisar dizer.

Partir


Toda palavra nos ergue uma imagem
com certo gosto e sensação
como se o som das sílabas
pintassem quadro vivo em nós
“Partir” carrega o peso do adeus
o estilhaço dos começos
Parti há tempos de minha cidade
mas nunca por inteiro
Partir traz sensação de dividir
Rachar-se em margens
um pouco vai
um pouco fica
o resto se perde no caminho
mãos se afastando devagar
lembrança que pulsa em becos
saudade que mora no olhar
Um pouco meu ainda mora lá
nas calçadas antigas
no cheiro de chuva na terra molhada
no silêncio das janelas fechadas
O que partiu de mim
nunca voltou ao mesmo lugar
Porque partir também é plantar
raízes no desconhecido
sem jamais ter deixado por completo
nem pertencido por inteiro, sigo
Partir (-se) é forma de permanecer (-se)
Assim sigo trincado